Jair Bolsonaro e Sérgio Moro | Foto: Adriano Machado/Reuters

Sexta-feira tenebrosa no Brasil. O ex-juiz Sérgio Moro, símbolo nacional no combate a corrupção com a Operação Lava Jato para uns e algoz para outros, pediu demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ele é o oitavo ministro a deixar o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O clima já não era bom na quinta-feira (23), quando surgiu a informação de que o presidente trocaria o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. A exoneração foi publicada no Diário Oficial desta sexta (24), com a informação “a pedido” e assinada por Bolsonaro e Moro. O ex-ministro disse em coletiva que ficou sabendo madrugada pelo Diário Oficial. “Eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso foi trazido, em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um pedido formal de exoneração”, afirmou.

Horas depois, em um pronunciamento no Palácio do Planalto, Bolsonaro tentou se justificar. “A noite, eu e o doutor Valeixo conversamos por telefone e ele concordou com a exoneração a pedido. Desculpe, senhor ministro, o senhor não vai me chamar de mentiroso”. Apenas tentou, pois a demissão já estava decidida pelo presidente e o diálogo não se deu por iniciativa do delegado federal.

A exoneração de Valeixo foi republicada no início da noite em edição extra do Diário Oficial sem a assinatura de Sérgio Moro.

O ex-ministro defendeu a autonomia da Polícia Federal e narrou um episódio envolvendo o próprio ex-diretor-geral. “Lembrando aqui até um episódio que um domingo qualquer durante aquelas investigações [da Lava Jato] lembro que foi o superintendente Maurício Valeixo que recebeu uma ordem de soltura ilegal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então condenado por corrupção, preso. Essa ordem, emitida por um juiz incompetente. Depois isso foi reconhecido nas demais instâncias. Foi graças à autonomia dele, e o sentimento da necessidade de cumprimento de dever que ele comunicou às autoridades judiciárias e foi possível rever essa ordem de prisão ilegal, antes que ela fosse executada, demonstrando empenho dessas autoridades e a importância da autonomia das organizações de controle”, defendeu Moro, revelando que lhe foi prometido “carta branca para nomear todos os assessores, inclusive desses órgãos policiais”.

Ao listar ações de sua gestão a frente do Ministério, Moro reconheceu o apoio do presidente “em vários desses projetos, outros nem tanto”. Ele revelou ainda que “a partir do segundo semestre do ano passado passou a haver uma insistência do presidente na troca do comando da Polícia Federal. Isso inclusive foi declarado publicamente pelo próprio presidente”. Em seguida o ex-ministro relatou que teve outras divergências com o presidente da República durante sua permanência no cargo, mas isso ficaria para uma outra ocasião.

Já Bolsonaro revelou que Moro aceitaria a demissão de Valeixo, mas somente em novembro, depois que fosse indicado Supremo Tribunal Federal, na vaga do ministro Celso de Mello, que se aposentará. “Mais de uma vez, o senhor Sergio Moro disse para mim: ‘Você pode trocar o Valeixo sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal’. Me desculpe, mas, não é por aí”, declarou Bolsonaro.

Moro não só desmentiu o presidente como expôs uma conversa com a deputada federal bolsonarista, Carla Zambelli (PSL-SP). “A permanência do Diretor Geral da PF, Maurício Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor Geral da PF”, publicou em seu Twitter.

Mais tarde, o Jornal Nacional apresentou o diálogo, onde a parlamentar pede que Moro aceite o delegado Alexandre Ramagem no comando da PF. É Zambelli quem sugere que o ex-ministro vá para o STF em setembro e se compromete a ajudar “a fazer JB [Jair Bolsonaro] prometer”. Moro rechaçou: “Prezada, não estou a venda”.

O capítulo de ontem está longe de ser o último dessa novela. Há muita nitroglicerina por vir.

Futuro… – Sérgio Moro disse que vai descansar um pouco e depois procurar um emprego. “Quero dizer que independentemente de onde eu esteja eu sempre vou estar à disposição do país para ajudar o que quer que seja, ajudar nesse período da pandemia com outras atitudes. Mas, enfim, sempre respeitando o mandamento do ministério da justiça e segurança pública nessa gestão que é fazer a coisa certa sempre”, finalizou seu pronunciamento.

…Presidenciável  – Diversos partidos já cortejam Sérgio Moro para uma possível filiação. No entanto, esse não é o melhor momento. O ex-ministro deve deixar essa decisão para o limite do prazo em 2020. Ele não aceitará nenhum cargo público e deve percorrer o Brasil numa espécie de pré-campanha. Esse passo a frente seria um passo atrás nas pretensões de outros presidenciáveis como João Dória (PSDB), governador de São Paulo.

Interferência – Talvez sem querer, mas o presidente Jair Bolsonaro acabou confessando interferência na Polícia Federal em favor do seu filho Renan, o 04. “Fiz um pedido para a PF, quase como um ‘por favor’. Chegue em Mossoró e interrogue o sargento [Ronnie Lessa, suspeito de ter assassinado a vereadora Marielle Franco]. A PF foi lá, interrogou e está comigo a cópia do interrogatório onde ele diz: ‘minha filha nunca namorou filho do Bolsonaro, ela sempre morou nos Estados Unidos’”, revelou.

Divisão – A vacância no Ministério da Justiça e Segurança Pública deve reascender o debate pela sua divisão. Com isso, o ex-deputado Alberto Fraga deve assumir a pasta da Segurança Pública. A Justiça ainda não se sabe, mas pode ficar com o atual ministro-chefe da Secretaria da Presidência, Jorge Oliveira, amigo da família do presidente.

Efeito demissão – Bastou o anúncio da saída de Sérgio Moro para que a Bovespa despencasse. Chegou a cair quase 10%, mas, apesar de recuperação, fechou em queda de 5,45% a 75.330,61 pontos. O dólar comercial fechou em alta de 2.54% e fechou cotado a R$ 5,668. Em 2020, a moeda americana já valorizou 41,25%. Já a Bovespa desvalorizou 34,86%.  

Momento Jurídico, com Dr. Leonardo Brito – Após a manifestação do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, o qual emitiu possíveis crimes cometidos pelo então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, os partidos PC do B e PSOL protocolaram convite a fim de que Moro venha prestar esclarecimentos sobre a possível tentativa de obstrução nas investigações em trâmite na Polícia Federal, dentre outras acusações. Entretanto, considerando que Moro não mais é ministro da Justiça, o mesmo não tem obrigação de prestar tais esclarecimentos aos partidos, salvo se for de forma voluntária.

Inquietude – Quem será o próximo ministro a deixar o Governo?