Em uma carta aberta direcionada a Jair Bolsonaro, o médico infectologista baiano Roberto Badaró, que é pesquisador chefe do Instituto de Tecnologia em Saúde do Senai/Cimatec e integrante do Comitê Científico do Nordeste, pede que o presidente do país assuma que estamos em uma guerra contra o Coronavírus e recomenda algumas medidas, inspiradas no médico americano Harvey V. Fineberg. No documento, Badaró diz que o objetivo do país não deve ser o de aplainar a curva de crescimento da epidemia, mas sim esmagar a curva e, como consequência, acabar com a epidemia.
Além disso, lista as sugestões de ações que deveriam ser tomadas pelo presidente: estabelecer um comando unificado; produzir milhões de testes para encontrar quem o inimigo já infectou; fornecer aos trabalhadores de saúde os equipamentos de proteção individual e equipar hospitais para cuidar de um provável aumento de pacientes gravemente doentes; diferenciar a população em cinco grupos e tratar adequadamente; inspirar e mobilizar o público, e, aprender com a prática científica em tempo real.
Segue a carta na íntegra:
“CARTA ABERTA AO PRESIDENTE
Fiz esse pronunciamento na Rádio Metrópole, de Salvador, onde faço parte do programa “Luta Contra o COVID-19”, todos os dias. Gostaria de mandar uma mensagem ao Presidente da República. Presidente, por favor reconheça que estamos em guerra contra o Coronavírus. É uma guerra que devemos lutar para vencer! A economia está dentro do tanque de guerra, e em qualquer lugar do mundo ainda milhões pessoas estão em risco de vida, incluindo o Brasil. Estamos todos em perigo.
A maioria das análises de economistas assume que tanto a pandemia e o revés econômico devem ocorrer durante um período de muitos meses para acabar com a epidemia, e ainda mais tempo para a recuperação econômica. Contudo, como dizem os economistas: há uma dominante opção, que limita simultaneamente as fatalidades e coloca a economia em marcha novamente de forma sustentável. Essa escolha começa com uma força única com foco e campanhas para erradicar o Covid-19 no Brasil e mundo. O objetivo não é aplainar a curva de crescimento da epidemia; o objetivo deve ser esmagar a curva e, como consequência, acabar com a epidemia. A China fez isso em Wuhan. Podemos fazer isso em todo o país em 10 semanas. Isso deve ser feito com inteligência suficiente sobre o conhecimento do inimigo, para saber: onde o vírus se esconde, a rapidez com que ele se move, onde é mais ameaçador e qual é a sua vulnerabilidade. Do lado econômico, podemos começar a reenergizar a economia sem colocar vidas adicionais em risco. Podemos tomar como base as seis medidas recomendadas pelo Médico Ph.D. Harvey V. Fineberg para os Estados Unidos, que está mobilizando e organizando o povo americano no combate à epidemia do COVID-19.
I. Estabeleça um comando Unificado. O presidente deve surpreender seus críticos e nomear um comandante que se reporta diretamente a ele.
Parece obvio, mas há no Brasil um nítido desencontro de opinião entre ele e o Ministro da Saúde. Essa pessoa, esse ministro devem ter total confiança do Presidente. E mais importante, deve ganhar a confiança do povo brasileiro. Este não é um coordenador entre agências. Este é um comandante que carrega o total poder e autoridade do presidente.
II-Produzir milhões de testes para encontrar quem o inimigo já infectou.
Nem todo mundo precisa ser testado, mas todos com sintomas devem. A nação precisa se equipar para realizar milhões de testes de diagnóstico nas próximas 2-3 semanas. Esta foi a chave para o sucesso na Coréia Sul. Toda decisão sobre o gerenciamento de casos depende de uma avaliação médica sólida e nos resultados de testes de diagnóstico. Sem testes de diagnóstico, não podemos rastrear o escopo do surto. Usar de maneiras criativas como mobilizar a pesquisa no país para ter laboratórios para auxiliar na triagem populacional e encaminhar pessoas com resultado positivo para avaliação nos centros de atendimento. Organizar locais dedicados a testes clínicos em todas as comunidades fisicamente separadas de outros centros de atendimento, como o teste em centros de drive-through que começaram a surgir em vários locais no mundo.
III. Fornecer aos trabalhadores de saúde EPIs (equipamentos de proteção individual) e equipar hospitais para cuidar de um provável aumento de pacientes gravemente doentes.
Amplo suprimento de EPI deve ser problema comum em todos os serviços com profissional de saúde que está na linha de frente cuidando de pacientes e fazendo testes para detectar a infecção pela Covid-19. Qualquer general sabe que se enviar soldados para a batalha sem coletes balísticos e armas necessária, é um suicídio coletivo. Os profissionais de saúde estão nas linhas de frente desta guerra, não merece menos, tem de ter as armas para sobreviver.
Além disso, centros de distribuição regional deve implantar rapidamente ventiladores (respiradores) e outros equipamentos do estoque nacional a hospitais com a maior necessidade.
Apesar de que em todo mundo a guerra está sendo combatida, melhores esforços, em áreas mais atingidas, devem ser feitos. Precisamos estabelecer os padrões de crise e proteger os soldados da linha de frente para tomar decisões eticamente sólidas e inevitáveis sobre o uso de equipamentos e suprimentos disponíveis.
IV. Diferenciar a população em cinco grupos e tratar adequadamente.
Primeiro precisamos saber quem está infectado; segundo, quem pode estar infectado (ou seja, pessoas com sinais e sintomas consistente com infecção que inicialmente testou negativo); mas que se contaminou (parar com a política do já ganhou); terceiro, identificar quem foi exposto; Quarto, identificar quem não é conhecido, mas que deve ter sido exposto ou infectado; E, quinto, identificar quem já se recuperou da infecção e está adequadamente imune.
Devemos agir com base nos sintomas, exames (atualmente, ensaios de reação em cadeia da polimerase para detectar RNA do vírus – PCR) e exposições, para identificar aqueles que pertencem em cada um dos quatro primeiros grupos.
Precisamos hospitalizar aqueles com doença grave ou de alto risco. Estabelecer enfermarias utilizando centros convenções vazios por exemplo, para cuidar de pessoas com doença moderada e com baixo risco; um isolamento em enfermaria para todos os pacientes diminuirá a transmissão para membros da família.
Converter agora hotéis vazios em centros de quarentena para abrigar aqueles expostos e separar a população em geral por 2 semanas; este tipo de quarentena permanecerá em prática até pelo menos identificar onde a epidemia explodiu em uma determinada cidade ou região.
Ser capaz de identificar o quinto grupo – aqueles que foram previamente infectados, se recuperaram e são adequadamente imunes – isso requer desenvolvimento, validação e implantação de testes baseados em anticorpos. Isso seria uma mudança de jogos contra o inimigo que ameaça a economia. Medidas como essa possibilita reiniciarmos parte da força de trabalho do país, recuperando a economia com mais rapidez e segurança.
V. Inspirar e mobilizar o público.
Neste esforço desafiador, todos temos um papel a desempenhar e virtualmente todo mundo deve estar disposto. Começar estimular a engenhosidade brasileira na criação de novos tratamentos, investir em uma vacina, proporcionar uma maior variedade e número de testes de diagnóstico, e usar o poder de tecnologia da informação, mídia social, inteligência artificial e computação de alta velocidade para conceber novas soluções. Esses esforços devem ser intensificados.
Por exemplo, o SENAI CIMATEC ofereceu o seu centro de supercomputação, o maior do Hemisfério Sul para colaborar nessa estratégia. Todos podemos ajudar a reduzir o risco de exposição e apoiar seus amigos e vizinhos neste momento crítico.
Precisamos garantir que todos os trabalhadores da saúde tenham acesso a seus EPIs. Precisam de máscaras adequadas. Um bom exemplo posso citar foi que os Estados Unidos mobilizaram os correios e empresas privadas de serviço e voluntárias para participar da entrega de máscaras cirúrgicas e desinfetante para as mãos de as famílias americanas. Se todo mundo usa uma máscara cirúrgica fora de casa, aqueles que pré-sintomáticos e infectados serão menos prováveis de espalhar a infecção para outras pessoas. E se todo mundo usa uma máscara, nenhum estigma é anexado. Isso é muito importante.
VI. Aprenda com a prática cientifica em tempo real.
A pesquisa é fundamental. O atendimento clínico seria muito melhorado com tratamento antiviral eficaz. Toda forma plausível deve ser investigada. Parar com esse debate cientifico se isso tem eficácia e isso não tem, sem dados científicos reais. Nós fizemos isso com HIV; agora, precisamos fazer isso o mais rápido com a COVID-19. Os médicos precisam de melhores preditores cuja condição do paciente é propensa a se deteriorar rapidamente ou quem pode morrer. Criar os modelos de decisões (como proposto pelo Professor Mauricio Barreto) para orientar a resposta da saúde pública e reiniciar a economia. Isso deve ser guiada pela ciência. Se descobrirmos quantas pessoas foram infectadas e se eles estão agora imunes, é seguro para eles voltarem ao trabalho e retomar atividades mais normais. Precisamos responder perguntas como estas:
É seguro para outros voltarem ao trabalho? Isso depende do nível de infecção ainda em curso, devido a chance de possíveis exposições no local de trabalho. A triagem faz detecção rápida de novos casos.
As escolas podem reabrir com segurança? Isso depende do que aprenderemos sobre as crianças como transmissores do vírus para seus professores, pais e avós.
Quão perigosos são os espaços contaminados e superfícies? Isso depende da sobrevivência do vírus em diferentes condições ambientais e em vários materiais.
Se adotarmos essa abordagem orientada guiada pela ciência, podemos começar a reviver negócios de todos os tipos, incluindo companhias aéreas, hotéis, restaurantes e locais de entretenimento. Temos que colocar dinheiro no bolso das pessoas nos próximos meses, protegendo pequenas negócios e liberando restrições de crédito. E investimentos maciço do governo federal sem restrição de credito ao governos estaduais para os setores de educação e saúde e infraestrutura assim começamos a movimentar novamente a roda da economia. Se fizermos isso, podemos aliviar o de luto e perda evitáveis, assim desempenharemos nosso papel na luta contra a COVID-19.
Se nós persistirmos com meias medidas contra o novo Coronavírus, corremos o risco de sobrecarregar a economia a longo prazo e viver com o fardo evitável de consumidores ansiosos, mais doenças, custos médicos mais altos e restrições severas na atividade comercial. Enquanto nos esforçamos para superar o imediato da epidemia, que estamos fazendo, devemos tomar medidas mais eficazes contra o novo Coronavírus antes que outras ameaças emergentes possam vir nesse século 21.
Precisamos lutar. Precisamos da ciência. Precisamos de medidas responsáveis.
Professor Dr. Roberto Badaró – MD, Ph.D.“