Amaurih Oliveira. Foto: Ique Esteves.
Amaurih Oliveira. Foto: Ique Esteves.

Durante os séculos XIX e XX, o Brasil escreveu tristes capítulos da sua história. À época, a organização criminosa Zwi Migdal, que teve início da comunidade judaica do Leste Europeu e operava com sede na Argentina, era responsável pelo tráfico de mulheres judias ao Brasil. No país, as polacas, como ficaram conhecidas por terem vindo, sobretudo, da Polônia, eram escravizadas em bordéis da organização em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades. 

Os primeiros relatos de drama e violência são do início do século XIX, contudo, estima-se que o tráfico das mulheres judias, oriundas de aldeias pobres da Europa Oriental, que aportavam no Brasil com a promessa de emprego, durou cerca de 100 anos. Há ainda nos dias de hoje, cemitérios que foram destinados exclusivamente para o enterro destas almas. 

É sobre este cenário que se debruça o longa “As Polacas – o fim da inocência”, uma direção de João Jardim, um dos nomes que atuou na produção do documentário Getúlio. No filme em questão, o elenco conta com o ator baiano Amaruih Oliveira, que, em conversa com o Anota Bahia, detalhou o processo de preparação e de gravação de um longa com temática densa e sensível.

Sinopse

Como pode-se supor, o longa é, por óbvio, baseado em uma história real. Rebeca, uma jovem judia, deixa a região da Polônia, fugindo da fome e da guerra que assolava o país, e desembarca no Brasil, junto a seu pequeno filho, com a promessa da paz. Porém, encontra uma realidade devastadora e, literalmente, desumana no Rio de Janeiro. 

Ela se torna refém de uma grande rede de tráfico de mulheres, que operava, além do Brasil, na Argentina e nos Estados Unidos. A trama se desenrola na infinda luta de Rebeca, e das outras mulheres, pela liberdade.

A fase de preparação

No longa, Amaurih Oliveira interpretará o personagem Isac, funcionário de um dos bordéis para onde as polacas eram trazidas. O ator ressaltou a importância de um projeto que, mais do que relatar um fato histórico, o conta do ponto de vista de quem mais sofreu.

“Eu acredito que As Polacas vai dar muito o que falar, pela própria história, inclusive, que é muito forte, polêmica e reveladora. Aliás, trazer isso do ponto de vista das mulheres, do ponto de vista de uma protagonista, faz com que a expectativa seja ainda maior”, nos disse. 

Para viver o papel e construir o personagem de forma fidedigna, Amaurih nos contou que, além de um trabalho de preparação de elenco com Eduardo Milewicz, os atores buscaram, na literatura, referências sobre o tema, como o livro ‘Bertha Sophia e Rachel: Sociedade da Verdade e o Tráfico das Polacas nas Américas’, de Isabel Vincent.

“A obra, certamente, nos ajudou bastante a entender a profundidade do drama e do terror vivido por aquelas mulheres. Foi tudo muito intenso, muito profundo, mas feito com muito respeito e aprendizado”, disse Amaurih. O livro de Vincent é de uma narrativa categórica, real e poética, que traz a história com base na figura feminina de três personagens. 

O set de gravação

O filme está sendo produzido no Rio de Janeiro, cidade onde, há muito, vive Amaurih. O ator baiano divide o set com nomes de uma nova e talentosa geração de artistas nacionais e com atores mais experientes no cinema e na televisão brasileira. O elenco é composto por Caco Ciocler, Valentina Herszage, Otávio Muller e Clarice Niskier. 

Diante de tantos artistas, Amaurih Oliveira ressaltou o encantamento com essa mistura de eras, que, para o ator é muito saudável, por trazer consigo a cara do cinema brasileiro, inovador e histórico. “É uma satisfação muito grande estar ao lado desses colegas, ver, na prática, essa mistura de gerações com especificidades, em que a gente compartilha momentos. Isso tudo é de uma poesia muito bonita, é muito poético”, pontuou Amaurih.

Ainda sobre os atores, Amaurih trouxe, em específico, a satisfação de atuar ao lado de Clarice. “Ter o Caco, a Valentina, que é uma atriz totalmente sensível e talentosa, Otávio Muller, um ator que a gente sempre acompanhou, é muito gratificante. Mas eu tenho que declarar o meu encantamento pela Clarice Niskier”, iniciou.

Amaurih Oliveira relembrou ainda quando a conheceu. “Eu a vi pela primeira vez em ‘Alma Imoral’, ainda na Bahia; revi em São Paulo, fiquei mexidíssimo de novo. Eu sou apaixonado pelo trabalho dela, pela delicadeza, por sua história no teatro brasileiro”, concluiu.

A grata fase do cinema brasileiro e a Bahia

Glauber Rocha, que dispensa apresentações, certa feita, elucidou-nos com as seguintes palavras: “sem linguagem nova, não há realidade nova”. Ao certo, a geração de artistas contemporâneos busca essa nova forma de fazer arte. Destaca-se as recentes produções dos baianos Wagner Moura e Lázaro Ramos: Marighella e Medida Provisória, em ordem. 

Amaurih, é claro, expressou o deleite pela valorização da arte nacional. “Realmente é uma felicidade enorme saber que o nosso cinema está lutando para continuar, diante de tantos desafios. Ver Wagner e Lázaro, dois colegas baianos que eu admiro imensamente, trazendo essas produções de qualidade, em um momento tão importante, é algo muito feliz”, disse.

Além disso, Amaurih Oliveira comentou sobre uma das funções da arte, que é de trazer à luz da vida social grandes questões do país, sejam históricas ou simultâneas. “Eu torço para que a gente continue a ver produções nacionais que discutam questões sociais, políticas e econômicas para despertar ainda mais o senso crítico da sociedade”, concluiu.

A expectativa

Em fase final de conversa com o Anota Bahia, Amaurih nos deixou um spoiler: o longa incitará o debate. “Ao certo, haverá concordâncias e discordâncias, do ponto de vista da história em si. Mas a arte é para isso, para provocar, fazer refletir, trazer o espectador para este lugar de inquietação. Espero que consigamos trazer isso para o nosso cinema, uma obra bem embasada, bem feita”, disse.

Amaurih Oliveira e Valentina Herszage. Foto: Ique Esteves.
Amaurih Oliveira e Valentina Herszage. Foto: Ique Esteves.

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