Anna Luísa Beserra é baiana e se tornou cientista desde os 15 anos, quando começou a desenvolver um dispositivo de baixo custo e com foco em usabilidade que utiliza radiação solar para potabilizar água de cisternas do semiárido do Nordeste, o Aqualuz, que também é a única tecnologia do tipo no mundo. Aos 17 fundou a startup Safe Drinking Water For All – SDW para desenvolver tecnologias que tornassem o acesso à água e saneamento um direito universal. Aos 18 foi a brasileira mais jovem formada em Lideranças de Novos Empreendimentos pelo MIT, em Cambridge, nos Estados Unidos. E hoje é a única brasileira a ganhar o prêmio Jovens Campeões da Terra, da Organização das Nações Unidas. O Aqualuz, vale registrar, está presente nos estados da Bahia, Alagoas, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte – o projeto ajuda 270 pessoas por meio de projetos e a meta é atingir 900 mil pessoas nos próximos cinco anos. Em bate papo com o Anota Bahia ela fala sobre suas inspirações, ideias, empreendedorismo e reconhecimento.

Hoje, você inspira muita gente. Quais coisas te inspiraram, no início e durante sua pesquisa para criar o Aqualuz?

Sempre gostei de Ciências, desde criança; e meu sonho era ser cientista. Então eu me inspirava bastantes em cientistas, como Marie Curie e Albert Einstein, e mantive o sonho de desenvolver alguma coisa que pudesse ajudar a melhorar o mundo.

Qual seria o diferencial para que mais jovens e mais mulheres ingressassem e desenvolvessem suas ideias no mundo da ciência?

Primeiro teria que haver um esforço muito grande em prol do ensino básico. A educação no Brasil, hoje, independente de ser pública ou particular, insistem em atrair as pessoas para outras profissões que não a ciência; não há estímulo. E o ensino superior perpetua essa validação, são poucos os recursos investidos na ciência; além disso, o que rege é o interesse de grandes empresas, não há muita pesquisa aplicada a problemas que precisam de atenção mas que, às vezes, não geram tanto lucro para o meio corporativo. Então eu acredito, a curto prazo, que maiores incentivos, mais eventos e premiações colocariam mais jovens no caminho da ciência. E, no longo prazo, melhorar as escolas, disseminar laboratórios, contar com aulas extracurriculares e professores mais qualificados, para que os alunos gostem e tenham interesse pelas matérias.

Você se considera, além de cientista, empreendedora?

Me considero, sim, uma jovem empreendedora, mas isso foi algo que eu não tinha percebido no início. Com o incentivo de um professor da universidade eu percebi que o que eu tinha de projeto científico poderia se tornar uma startup de impacto social [Anna Luisa é a CEO da startup Safe Drinking Water For All]. E há coisas em comum entre a cientista e empreendedora, como a busca em resolver um problema real. Mas há coisas como a validação técnica, as tecnologias físicas e série de comprovações que são específicas do campo da ciência.

Água, sol e garrafas PET, material que inspirou o início da sua investigação, são elementos baratos. A internet disponibiliza conhecimento. A ciência está disponível a todo mundo, enquanto possibilidade de investigação?

A ciência está disponível para todos, mas de uma forma que ainda não é democrática. Pois, se a pessoa não tem o ensino básico, ela não vai saber interpretar as informações que estão disponíveis na internet de forma gratuita, por exemplo. É um paradoxo.

Como a premiação, as palestras e o reconhecimento estão chegando para você? Como te modificaram?

A partir do momento que houve a divulgação da premiação muitas portas estão sendo abertas pra mim e pra SDW, o que acelerou nosso avanço. E, no meu caso, tem a questão da credibilidade. Este selo da ONU me tornou meio que uma especialista no assunto; e agora, apesar de ser muito jovem – o que gerava impressões como de que eu não sabia nada, ou de que a juventude impedia minha autoridade no assunto -, agora as pessoas não me veem mais dessa forma.

Pode nos oferecer um panorama do que é, e de como o Aqualuz funciona?

O Aqualuz é a única tecnologia do mundo voltada para o tratamento de água em cisternas utilizando a luz do sol. Para quem desconhece uma cisterna, é um reservatório muito comum e, muitas vezes, a principal fonte de água na região do Semi-árido brasileiro. É usada para captação e armazenamento da água da chuva nas zonas rurais que não tem acesso a água encanada. A gente encaixa o Aqualuz na saída da bomba da própria cisterna e a pessoa pode fazer o uso da águas após alguns passos: primeiro ela bombeia a água, que vai passar por um filtro para reter as partículas sólidas – como se fosse um coador. Depois essa água fica exposta diretamente à luz do sol, em um reservatório. Não é utilizado nenhum processo químico, ou acessórios como placas solares. A responsabilidade é da incidência direta da luz solar – a mesma que provoca o câncer de pele tem o potencial de matar as bactérias da água. Depois de um tempo de 2 a 4 horas exposta no sol, o usuário pode visualizar um indicador que muda de cor e aponta que a água está pronta para o consumo.