A psicanalista Clarissa Lago, professora e autora do livro Paranoias, é umas referências no ensino e na prática na Bahia, e conversou com o Anota Bahia sobre os desafios instaurados pelo isolamento social, consequência da pandemia do novo coronavírus: “Para a grande maioria, o maior desafio é o isolamento em si: o convívio consigo mesmo e a verdadeira noção do que é ser um sujeito barrado. A pandemia fez o sujeito – muitos que viviam intensamente sem nenhum limite -, pensar não só na questão da morte mas também em suas próprias limitações”. Clarissa, todavia, ressaltou que estratégias podem ressignificar a rotina do isolamento: “Uma questão que tem emergido é esse império do narcisismo. Mas com as lives as pessoas apontam que estão vivas, certo? É a busca de sublimações – não vivemos sem. Mas é bom lembrar de outras possibilidades – mais cool, até: ler livros, escrever, preencher um diário, brincar com os filhos. É uma fase com alto potencial de ressignificação”.
Para a psicanalista, que tem em seu currículo a atuação como professora na UFBA e na Faculdade de Direito da Bahiana, um dos eixos fundamentais desta nova fase é a parcimônia para lidar com as informações: “Por uma questão de saúde mental , se informe apenas naquilo que pode ser útil a você. Jornais locais são necessários para nos situarmos no tempo e no espaço, mas não tente saber de tudo – não somos tão grandes assim. A sociedade em rede muitas vezes propõe ao ser humano uma grandiosidade que a ele não pertence. Somos pequenos, temos que aceitar que somos seres faltantes mesmo, não damos e nem podemos dar conta de tudo”.
Clarissa também reforçou a necessidade e importância de um projeto público que leve em conta todas as dimensões da saúde: “Precisamos de políticas públicas que valorizem a saúde mental; para além de ter serviços gratuitos que nesse serviço tenha profissionais qualificados, sérios e bem remunerados. E não só agora, durante a pandemia, mas sempre. É imperativo que o acesso à população a esses serviços e a esses profissionais sejam mais fáceis”.
Praticante do atendimento online desde 2012, Clarissa Lago também teceu comentários sobre o novo cenário que impõe rearranjos em sua profissão: “Nos dias atuais, nessa fase de pandemia, todos os meus atendimentos presenciais migraram por on line por forças das circunstâncias; mas é importante ressaltar que todos já eram meus analisantes antes da pandemia, já estavam em processo de análise antes dessa ‘nova’ realidade que estamos vivendo. Mas desconfio desses atendimentos online especificamente para essa época da pandemia. Acho delicado um analista tomar como um analisante alguém que nunca viu na vida e o primeiro contato ser apenas virtual. Penso que talvez funcione como um CVV (Centro de Valorização da Vida) mas não sei se tem como objetivo ser mais que isso”, disse.