Claudia Leitte abriu o primeiro espaço da sua agenda esta semana, que englobou diversos compromissos em Salvador, para conceder uma entrevista especial ao Anota Bahia, seguida de um almoço intimista, onde estreitou ainda mais seus laços conosco. Durante uma hora de bate-papo, fizemos um grande passeio pela sua carreira, começando em 2004 quando ela subiu ao palco da Concha Acústica, ainda integrante da banda Babado Novo, para gravar seu primeiro DVD, até 2024, quando ela lança seu último projeto, o ‘Intemporal’. E como o futuro é uma marca da nossa linha editorial, é claro que antecipamos assuntos relacionados ao Verão e ao Carnaval 2025 da artista. Além disso, discorremos sobre moda, relação familiar, diagnóstico de TDAH, fãs, redes sociais e composições. Ou seja, a cantora abriu o coração, soltou a língua e falou de tudo e mais um pouco. Confira!
Em 2004 gravou seu primeiro DVD em Salvador, ainda na banda Babado Novo. Em 2007 reuniu mais de 1,5 milhão de pessoas no Rio de Janeiro, que foi um marco na sua carreira. Como se deu a concepção daquele trabalho?
Essa é uma coisa muito legal. Porque eu não pensei muito, eu fui agindo e eu acredito muito nisso. É óbvio que existe um trabalho hoje, a gente está aqui, há uma estratégia, tem o verão chegando, a gente se preocupa com a música que vai trabalhar, com tudo. Mas eu sempre acreditei. Lá em 2004 eu sabia que eu tinha que estar cantando, então eu fui cantar. E quando eu vou, eu me entrego completamente. Em Copacabana, em 2007, também, então fui cavando espaços para subir no palco. Toda minha caminhada me levava para o palco. Foi um marco cada momento, foi muito especial, mas os pormenores, os momentos antes, cada Carnaval, tudo me levou para aqueles momentos. Não fui pensando, fui cantando. Fui guiada.
E aí você passa por registros em Salvador (2012), Recife (2014), São Paulo (2022) e chega agora no “Intemporal” (2024), que tem uma proposta acústica, mas rica em instrumentos musicais e arranjos. Como nasceu essa ideia?
Nasce nas pessoas. Eu comecei muito menina, minha história, desde o final da minha adolescência, para um grande público e eu fui crescendo diante das pessoas e de mim mesmo. Eu tinha isso de me olhar. Então cresci na frente das pessoas e sei hoje que o grande trunfo é o outro. Eu nunca cantei para mim e nunca foi uma necessidade de ser exibida. Nunca foi meu. As músicas são sobre o outro, para promover encontros, celebrar a vida juntas, para se divertirem. Tem gente que se casa ou que se separa e a música ajuda a se levantar. As pessoas me movem.
O que é levado em conta quando você convida um artista para gravar uma canção com você e participar de um trabalho ao seu lado?
Nasce com a música mesmo. É engraçado até porque eu nunca pensei em uma estratégia que englobasse alguém. Eu não penso ‘ah, vou chamar fulano porque vai ter engajamento’. É sempre assim, eu idealizo a pessoa cantando comigo, sinto que vai dar química. Em “Beijo Incompatível”, por exemplo, eu via Marcos e Belutti cantando a canção “Domingo de Manhã” e o apelo emocional era muito parecido. A que eu gravei com Tomate (Tom Kray), era a cara dele. Eu mandei para ele, ele fez a versão dele e me mandou e ficou perfeita. Então eu tenho uma visão além do alcance quando eu penso nos feats e me movo pelo coração. É muito bom. Se for amigo, melhor ainda, se não for, vai virar (risos).
Você contou uma vez que Sérgio Mendes, há anos atrás, lhe disse que você deveria pensar em morar nos EUA e você nem cogitava isso. Com o tempo, isso acontece. Como é hoje, essa vida dividida entre trabalho no Brasil e família fora?
Foi muito importante para mim. Fundamental. Porque eu sou mãe de três filhos quando eu subo no palco, eu não me dissocio e minha prioridade é minha família, é onde está meu coração. É porque eu estou ali cuidando deles que eu consigo cuidar das outras coisas, não pode ser o contrário. Meus filhos são grandes, Davi e Rafael, e eles iam para todos os lugares comigo, mas chegou uma hora em que eles começaram a ter a individualidade deles. Eu fui para lá, para ser mãe. Não fui para fazer uma carreira internacional. Talvez se eu não tivesse feito isso, eu não tivesse descoberto que eu sou mãe retada e que preciso dessa organização para fazer meu trabalho acontecer.
Seus filhos têm a ideia de que você é uma artista reconhecida no Brasil?
Às vezes não. Eles são muito simples, exatamente porque eles não vivem o dia a dia disso. Então temos uma vida muito comum, de cidadãos comuns, e isso é um privilégio muito grande. Porque aqui tem muita gente no entorno, então quando eles vêm, que passam férias, eles vêm e falam algo como ‘minha mãe é famosa, esqueci’, mas eles não se deslumbram.
Você já participou de grandes eventos e feitos, como apresentação do Grammy, abertura da Copa do Mundo, Brazilian Night. Qual o panorama que você faz hoje dessa carreira fora do Brasil?
Com o mundo globalizado do jeito que está hoje, eu não acho que existe uma carreira internacional. Existe uma carreira que continua. Então, não penso, ‘agora vou fazer um crossover’. Você não está passando de fase, mas sim dando continuidade. E as coisas precisam ser espontâneas, senão você passa uma vida perseguindo algo que pode vir a ser tangível e aquilo acaba sendo sua meta e interferindo no seu propósito. O artista faz música para fazer um bem para alguém. Então, eu tenho um trio-elétrico lá, que eu levei, mas não quero fazer uma coisa solta, quero que seja explicado, como o Carnaval daqui de Salvador, porque aqui fazemos uma operação Disney, e com muito menos recurso. É surreal, colocamos 2 milhões de pessoas na rua, sincronizadas, com pessoas tão diversas. Quando olho lá de cima, vejo uma onda de energia, um arco-íris, onde as cores são diferentes, mas todos alinhados. Eu vejo uma massa que se conecta, que anda na mesma direção. Imagine se a vida fosse um carnaval? Todo mundo diferente, alinhado e feliz. Então não quero apenas me apresentar e dizer que é um trio elétrico, eu quero explicar ao gringo que é uma grande invenção de Dodô e Osmar, que é especial demais.
Você domina a língua americana, já cantou músicas em inglês. Há composições suas também, guardadas, pensadas, neste idioma?
Já! Tenho muitas músicas guardadas. Tenho umas 30 músicas, que eu não espero tempo exato para lançar, mas sei que tem uma hora certa para acontecer. E tem uma série de coisas envolvidas, para organizar, para não fazer de qualquer jeito. Tem que ser um contexto e eu acho que a hora de lançar vai chegar. E se não chegar, está tudo bem. Eu quero é fazer música. E eu compus com muita gente boa, em estúdios, experimentando estilos e culturas.
Sua ligação com a moda sempre foi algo muito marcante em sua carreira. Vestir grandes marcas mundiais, ter figurinos bem elaborados e contextualizados é comum para você. Essa é uma preocupação sua mesmo? Quem assina seu stylist atualmente?
Tudo o que me leva ao palco, absolutamente tudo, me dá prazer. Eu faço meu cabelo e minha maquiagem, por exemplo. Claro que em ocasiões maiores, como Carnaval, eu tenho uma equipe com profissionais incríveis, mas em geral, me sinto cumprindo parte do ritual. Quando estou fazendo a música, vislumbro público, me vejo no palco, sei a luz, e para mim tudo casa. Faço um roteiro de show onde eu imagino tudo que vai acontecer. E o figurino vem assim também. Eu tenho uma stylist, Satomi Maeda, que é muito retada. Eu vou com a ideia e ela vem com a essência da moda e agrega muito. Vamos equalizando juntos.
Seu marido atua diretamente na gestão da carreira, como seu empresário. Essa mistura acontece de forma natural?
Natural demais. Graças a Deus. Como eu disse, a maternidade me trouxe um eixo muito especial que Márcio me ajudou a acentuar e organizar, porque eu sou uma pessoa que na velocidade da luz, resolve as coisas. Meus pensamentos são muito acelerados e aí ele me ajuda a colocar o pé no chão. Ele é fundamental no meu processo. E sendo meu marido, cuidando da sua esposa para fazer o show. A gente às vezes acha que o artista é um personagem e se eu não tivesse ele, provavelmente eu acabaria sendo um fantoche na mão de outras pessoas. Ele é formado em Administração de Empresas, é prático, porém sensível e articulador. E ele é lindo.
É verdade que seus fãs se auto intitulam de ‘bolhas’, mas você não gosta muito desse apelido? Porque? E como tem sido sua relação com eles, tendo em vista que em 20 anos de carreira, há uma renovação natural de público?
É sim, mas eu me acostumei (risos). O nome foi inspirado na minha música “Bola de Sabão”, mas na Bahia, bolha é aquela coisa que dá no pé, que incomoda. E eles não são isso. Então traduzi isso como nossa bolha, nosso universo. Sobre a renovação eu acho maravilhoso, porque abriu-se um leque de oportunidades com a chegada das redes sociais. Eu sou do comecinho da internet, quando eclodiu tudo, então eu não tenho essa naturalidade de pegar o celular e dividir os momentos. Mas é uma benção ter a rede social como ferramenta para falar com meus fãs, porque é para eles que eu canto, que eu componho. Eles me fortalecem, querem que eu vença, independente de receberem até algo em troca.
Sua carreira se iniciou em um momento muito diferente quando o assunto é rede social. Naquela época, não havia tanto contato direto com os fãs e nem essa obrigação de dividir os momentos…
Existe a cobrança e em alguns momentos, no passado, isso me movimentou de alguma forma. Eu sou de uma geração que não vivia com o celular, então é mais fácil me apartar, eu consigo separar isso melhor. Precisamos ter um pouco de bom senso para não cair nas armadilhas.
Você participa das estratégias digitais para lançamentos de músicas? Entende sobre?
Meus lançamentos não começam com estratégia, começam com meu desejo de que meus fãs tenham ali acesso a minha música e só depois vem uma estratégia de maturação de equipe. E eu acho que isso dá certo. Às vezes na minha carreira em que eu tive que sair desse lugar onde eu penso afinada com meus fãs, deu ruim. Claro que temos equipe para entender as tendências e movimentos e os ajustes são importantes com eles, mas a essência da música é que move. Se eu pensar somente como empresária, como estrategista, não dá. Agora é fundamental pedir a Deus que pessoas certas venham, porque quando desafina, é porque tem gente tocando instrumentos em outra música.
Você foi diagnosticada com TDAH e é paciente da Drª Ana Beatriz Barbosa. O que você identificou após esse diagnóstico (40+)? O que mudou na sua vida?
Mudou tudo! ‘Conhece-te a ti mesmo’ não é só um pensamento filosófico. Quando você se conhece, quando sabe das suas limitações, tudo muda. Drª Ana diz que meu cérebro é uma Ferrari, é como se eu tivesse uma antena com todas as emissoras, tudo tem começo, meio e fim, mas as vezes eu demore para chegar ao final. E as máscaras que a gente usa para se encaixar, para parecer com o outro, mas impede de viver o que a gente tem que viver. E isso atrapalha. Porque enquanto estamos preocupados em como vamos colocar a mão na mesa para ninguém perceber que somos elétricos, já deu ruim, porque já foi um corte no processo. E ela, ao lado do Dr Alex, me deu um tratamento maravilhoso e eu nunca tinha feito terapia até 2021, que foi quando eu comecei a não me ver em mim e me questionei muito. Então eu pensei que precisava de um médico, busquei eles. Fiz neuromodulação, deixei claro que eu não queria usar medicamentos, para que isso não atrapalhasse minha veia artística. E o resultado foi fundamental no meu processo de autoconhecimento. E aí eu fui para dentro e floresci em mim, sou muito feliz. Saúde mental é imprescindível.
Seu nome é Claudia Cristina Leite Inácio Pedreira. Como é essa história de que seu nome artístico seria Claudia Crist? Em que momento surge o Leitte?
Pois é. Todo mundo tem um passado para esquecer e as pessoas insistem em lembrar. (Risos). Meu pai gostava muito de Mylla Christie, a atriz, e quando ele falava eu pensava ‘vou usar esse nome’. Treinava meu autógrafo, escrevia no caderno da escola. Aí um dia fui fazer o Carnaval dos bairros, lá em 1998/1999, em Cajazeiras, aqui em Salvador. Aí perguntaram qual era meu nome, e meu amigo ficou com vergonha do sobrenome e disse que era Claudia Leite, e eu para deixar ainda mais artístico aumentei esse ‘t’ no Leitte e nem foi numerologia.
Após muitos anos, você vai voltar a realizar seus ensaios de verão em Salvador, desta vez no Candyall Guetho Square. Como se deu essa ideia e decisão? O público pedia? Qual sua expectativa?
Aêêêêê! Eu vou contar a história toda. Quando eu tinha 14/15 anos, eu fui no Guetto e me lembro de tudo, até da roupa que eu tava. E meus amigos todos já sabiam que eu cantava, porque nos intervalos da escola já fazia som, cantava com Tomate, com Saulo. E Amanda Santiago, que era da Timbalada, mandou um beijo para mim e aí quando Carlinhos Brown desceu para ‘dar a volta no Guetho’, ele colocou o microfone e eu cantei ali, puxando um monte de música e ele me achou talentosa. E agora eu volto para esse lugar e é muito simbólico, porque Brown esteve comigo neste começo, depois quando eu gravo um trabalho chamado ‘Ver-te-mar’, ainda no Babado Novo, ele estava comigo. Assim como no começo da minha carreira solo em Copacabana. Ele foi quem me batizou de ‘Nêgalora’, em um show no TCA, passei 11 anos de The Voice com ele do meu lado. Então é muito especial voltar a ter os ensaios e com ele, é um lugar muito grande que ele tem no meu coração. A temática do nosso verão será o “Soul de Rua”, então eu vou tocar tudo que vem da rua, sem limites, é música para todo gosto, o que vier na cabeça. Vai ser incrível. Nosso primeiro ensaio será no dia 14 de dezembro, e haverá em janeiro de 2025 também.
Seus Carnavais são sempre um sonho, uma coisa meio Disney. Seu trio sempre vem paramentado, seus figurinos, seus abadás. Você participa disso tudo? Quando começa a idealizar a folia?
Participo de tudo, integralmente! Eu vivo meu sonho, aquilo tem que se parecer com o lugar para onde eu vou quando eu estou cantando. E quem está ali merece isso, é onde o sonho se realiza. E eu me sinto tão feliz, não meço esforços, e aquilo volta para mim. Não tem como não fantasiar. Me organizo para cada ano fazer ainda melhor, sempre, porque tenho tantas ideias. E a gente faz um Carnaval já pensando no outro, preciso até me conter, para não enlouquecer a equipe.
E como será o seu Carnaval de 2025? Já tem tema escolhido?
O nosso tema de Carnaval seguirá o “Soul de Rua”, porque tudo sai dali, das pessoas. E o que eu quero trazer é uma consciência com relação à saúde mental. Então associei isso de você se deixar levar pela emoção, com responsabilidade, se alimentar do que faz bem para alma e mente. Obviamente não vou chegar lá, palestrando, mas quero que essa mensagem esteja implícita e explícita: ‘se cuidar é importante’. Essa está sendo minha bandeira do momento. Então é colocar sua alma de rua para funcionar, ser feliz naquele momento. E engraçado, aqui em cima é o bairro onde morei, que é a Saúde. Ali cresci e vivi, meu quintal era o Pelourinho. Batatinha morava na frente, ficava vendo Paulinho da Viola cantar na casa dele. Então a Saúde é a inspiração, é o bairro, é a fala de quando se faz um brinde.
E esse movimento de se apresentar nos camarotes? Você gosta de entrar nesse ambiente musicalmente falando?
Eu já me apresento em camarotes há muitos anos e eu gosto muito disso. Eu acho que as pessoas lá dentro ficam ainda mais sedentas pela música. Elas olham o trio e correm para assistir o artista no palco. É de uma energia. E aí no Camarote Brahma, sempre esgotou e as pessoas me pediam um outro dia em outro lugar, e agora teremos o Camarote Harém, onde vou me apresentar também.
Você sabe exatamente o seu tamanho como artista? Você sabe que está no topo?
É uma pergunta muito difícil. Eu sei que eu estou no lugar certo e esse é o melhor lugar para ficar. Todas as vezes que eu tentei trazer uma consciência que vinha do outro de ‘seja assim ou não seja assim’, não deu certo. O lugar certo é com gente certa. Pessoas certas ao seu redor, te ajudam a ser quem você é. Nesse processo de descoberta eu sofri, me vi e não gostei do que vi em vários momentos. Então reavaliei e percebi que não fui ruim porque eu estava amparada. Minha intenção nunca foi chegar ao topo. O final da novela não é quando você casa, porque tudo é importante. As pessoas acham que o outro alcançou tudo, mas isso é uma ilusão. Então, estou no lugar certo e na hora certa.
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