Confira a entrevista de Isabela Suarez, advogada e coordenadora do Núcleo de Sustentabilidade, Meio Ambiente e Inovação da Associação Comercial da Bahia, para o A TARDE. A entrevista faz parte da série de conteúdos da Semana do Meio Ambiente promovida pelo Grupo A TARDE, que conta com programação exclusiva no portal, impresso e na rádio A TARDE FM, e que se estende até o próximo sábado, 12.

Qual o balanço dos mais de 20 anos de atuação da Fundação Baía Viva na Baía de Todos-os-Santos?

A FBV tem a marca do pioneirismo na defesa da Baía de Todos-os-Santos e espelha a ligação histórica entre o empresariado e um dos maiores polos geográficos do desenvolvimento nacional ao longo dos séculos. A BTS é, sem dúvida, o local do início do processo civilizatório brasileiro e sempre esteve conectada aos processos econômicos que impulsionaram o Brasil. A FBV tem tentado restaurar a integridade da Baía e a dignidade de seus moradores pela mobilização de seus agentes sociais e econômicos para a preservação e o turismo. Quando iniciamos nossas atividades, no final dos anos 1990, a visão sobre a BTS era romântica e bem distante da realidade que vivenciávamos. A região, embora tivesse uma imagem idealizada, era muito pouco explorada e muito maltratada, seja pela ausência de cuidados com o meio-ambiente, seja pela ausência de cuidados com a população carente do lugar. Para se ter uma ideia, a pesca com bomba era a regra nas ilhas. Ou seja: a destruição sistemática da fauna e da flora locais era a base da atividade econômica de subsistência. Não se tratava apenas de mudar o foco da ação; tratava-se de mudar mentalidades. Com o trabalho de todos esses anos em perspectiva, posso afirmar que fomos muito bem-sucedidos em consolidar a ideia de que é possível preservar, proteger e desenvolver economicamente um lugar, melhorando a vida das pessoas. Contudo, fica o alerta: são imprescindíveis políticas públicas continuadas. A ação privada foi pioneira, mas o planejamento público precisa ser garantidor.

Onde considera que houve maior avanço nessas duas décadas? Em que teria sido possível avançar mais no período?

Certamente na aderência que conseguimos junto aos moradores das ilhas. Foi a maior conquista, sem dúvida. Sem isso, pouco adiantariam as inúmeras ações de infraestrutura, de restauração do patrimônio histórico, dos cuidados ambientais e da efetivação de ações sociais. Foi importante, ao longo dos anos, o restauro das igrejas seculares, acessibilidade a quase todas as praias, a recuperação das casas em situação de risco, a requalificação de vias, o esgotamento sanitário e a criação de centros comerciais e gastronômicos, reforçando a cadeia produtiva local. Onde mais avançar? É imprescindível avançar na consolidação das políticas públicas e sua continuidade. Para tanto é preciso planejar. A vida dos ilhéus enfrenta sazonalidades e está exposta a condicionantes externas que tornam bem vulnerável a existência nas ilhas; a pandemia do coronavírus foi dramática neste sentido. Só o planejamento e a atuação pública, inclusive na área da segurança, podem amenizar tantas fragilidades.

Em áreas com grande grau de subdesenvolvimento, qual é a receita para conciliar desenvolvimento sócioeconômico e preservação ambiental?

É o engajamento das pessoas, repito. Certamente, incentivar uma cadeia produtiva que priorize os locais e envolva as pessoas. Isso inclui educação de melhor qualidade e segurança. Além, é claro, da profissionalização para o que é a vocação óbvia do lugar: a indústria do turismo. Vale ainda investir no zoneamento econômico e valorizar atividades já vocacionadas. Sempre temos esperanças numa ação governamental forte na gestão do Turismo, sobretudo do Estado, em nossa região de atuação. Apesar de tudo, continuamos acreditando que podemos melhorar a vida das pessoas e a condição econômica das localidades inseridas na BTS.

Quais os principais obstáculos ao desenvolvimento autossustentável na região?

Nunca se discutiu tanto sobre a temática da sustentabilidade e todas as providências necessárias para garantir a manutenção dos recursos naturais para as próximas gerações. Contudo, pouco se faz para, de fato, superar o que considero o seu maior gargalo: a desigualdade social, esse sim o grande obstáculo para o desenvolvimento sustentável. Existe também uma enorme incompreensão quanto aos papéis dos agentes políticos envolvidos nesse processo. A iniciativa privada é uma aliada importante. Poderia até ter um papel muito mais relevante na solução da vasta problemática que a questão envolve. A boa vontade privada esbarra, contudo, num ambiente de hostilidade direcionada ao empresariado. Ainda que o ambiente entre as entidades não-governamentais seja ordinariamente parceiro em ações compartilhadas, existe uma espécie de “cangaço” não-governamental que, em estreito relacionamento com órgãos de estado, promove uma campanha antiempresarial com antagonismo desproporcional, de forma abusiva e até mesmo persecutória, afastando aqueles que poderiam ser os melhores parceiros e aliados da BTS.

No ano passado, em parceria entre a prefeitura de Salvador e a Fundação, foi instalado um ponto de recolhimento de resíduos na ilha de Bom Jesus dos Passos. Como avalia a questão do descarte do lixo de maneira geral nas ilhas?

Sem dúvidas, apesar das inúmeras campanhas em prol da sustentabilidade, o descarte do lixo é ainda um dos principais problemas ambientais crônicos da modernidade. O cuidado com o descarte do lixo termina por revelar o grau de comprometimento sustentável dos habitantes de uma determinada região. Dada a complexidade que envolve o tema, o Estado, a sociedade e suas entidades precisam atuar conjuntamente, com o intuito de extirpar os incontáveis danos causados à natureza, à economia, ao turismo e à saúde pública, uma vez que o descarte irregular pode contaminar o lençol freático, degradar o solo, causar inundações de córregos e tornar o ambiente tóxico devido à poluição. Neste sentido, a parceria realizada entre a FBV e a Prefeitura de Salvador buscou contornar a situação pelo recolhimento ordenado do lixo, confinado a uma área cercada, com calçamento e o acesso controlado de pessoas. O resultado desta ação pode ser percebido pela redução da incidência de doenças causadas pelos dejetos, a mitigação da degradação ambiental, além da extinção da poluição visual causada pelo acúmulo do lixo na Ilha. No entanto, sabendo que a raiz do problema está na ausência de políticas públicas e na falta de conscientização quanto ao cuidado e preservação dos recursos naturais, a Fundação Baía Viva seguirá viabilizando projetos como esse, bem como promovendo ações que fomentem a educação ambiental e a adoção de uma postura mais ecologicamente consciente e responsável.

Em outubro do ano passado, a Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe, na Ilha dos Frades, teve o selo Bandeira Azul renovado pela sexta vez. O que tem sido determinante para manter essa condição?

O programa Bandeira Azul, para nós, nasceu da necessidade de promover o equilíbrio entre o aquecimento da economia turística, decorrente das melhorias implementadas na Ilha, com as limitações ambientais naturais de um lugar paradisíaco. O selo é muito importante sobretudo em razão da credibilidade e do sucesso internacional da certificação. De certa forma, o Bandeira Azul ajudou muito na construção de uma melhor compreensão de uma nova ordem socioambiental para as ilhas. O que, de fato, é uma aspiração para toda a BTS. O selo é uma combinação de iniciativas cuidadosamente articuladas entre o poder público e a iniciativa privada. Embora localizada em um ambiente costeiro, essa praia possui um fluxo de parâmetros urbanos e esse cenário foi o fato gerador para a construção de um programa ambiental eficaz que resultasse numa gestão costeira eficiente. Um ótimo exemplo do que estou dizendo é o reposicionamento das antigas barracas que ficavam na praia para áreas privadas, possibilitando a esses permissionários uma nova oportunidade profissional a partir de um modelo digno, sob condições sanitárias adequadas. Outro aspecto que contribuiu bastante para a manutenção dos critérios que subsidiam o programa foi a concessão do terminal hidroviário de embarque e desembarque de Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe. O ordenamento do acesso à ponta tem sido um fator preponderante para a balneabilidade da água do mar, porque permite uma melhor organização da circulação de embarcações.

Quais são os planos da Fundação para os próximos anos?

O trabalho desenvolvido até aqui apresenta excelentes resultados, sobretudo porque afasta o estigma de que o desenvolvimento é o algoz do meio ambiente. O sucesso dos programas, a avaliação positiva das comunidades, a superação de parte das dificuldades referentes ao acesso a Ilha, pedem novos rumos a partir de outras vertentes. Penso que, vencidos tantos obstáculos estruturais, chegou o momento de apresentar novas perspectivas ao turismo da Bahia, expandindo nossa atuação através da promoção da arte, da arquitetura e da recuperação de novos edifícios históricos. A boa notícia é que já estamos construindo o futuro.