Baiana radicada em São Paulo há quase 40 anos, Lívia Pedreira está há cinco anos à frente da Casa Cor, empresa do Grupo Abril. Com mostras em 18 estados brasileiros, além de países latino americanos e nos Estados Unidos, ela diz que a marca não tem um concorrente hoje no Brasil. Nessa entrevista exclusiva ao jornal A Tarde, ela anuncia o projeto Janelas Casa Cor, mostras virtuais que farão “uma reflexão de como será a casa após a pandemia”.

A Casa Cor conta com franquias no Brasil e em outros países. Como a senhora avalia a pandemia do novo coronavírus e o impacto que ela teve sobre a Casa Cor deste ano?

Olha, nós temos hoje 18 franquias no Brasil, quatro na América Latina e uma Miami. Na verdade, nós não temos uma franquia nos Estados Unidos, mas operamos o evento em Miami. Operamos o evento Miami e o evento de São Paulo, que são os dois eventos da marca Casa Cor, que dão o direcionamento para as franquias, sob o ponto de vista das temáticas, dos conceitos, do próprio convite para o elenco de profissionais, arquitetos, designers de interiores e paisagistas. Então, a marca, de fato, tem as franquias e opera esses dois eventos. Logo no início da pandemia acendemos o sinal de alerta, pois o evento de São Paulo ocorre no primeiro semestre, em geral entre o final de maio e julho. A gente tem algo em torno de 60 dias de evento. Então você pode imaginar a dificuldade que foi naquele momento tomar qualquer decisão. Em fevereiro a gente não tinha nenhuma clareza sobre o cenário que se anunciava na época. Em seguida, nós tivemos o último grande evento do seguimento, logo depois do Carnaval, que foi a Expo Revestir, no começo de março. Naquele momento, começamos a monitorar o cenário. As estatísticas começaram a ser cada vez mais complicadas, sob o ponto de vista da disseminação da Covid-19 no Brasil, e então nós resolvemos entrar em home office. No dia 20 de março nós já decidimos postergar, inicialmente, o evento para o segundo semestre, até que nós tivéssemos um quadro mais claro da situação. Isso tudo apoiado por informações dos órgãos de saúde, tanto do estado quanto do governo federal e da Organização Mundial da Saúde. Em paralelo, nós buscamos também uma consultoria com o pessoal do Einstein, para que nos ajudasse a definir os protocolos de obra, do evento e da desmontagem de tudo. É uma operação muito complexa. Em São Paulo, como a Casa Cor é muito grande, dura em média de cinco a seis meses, entre a preparação e a desmontagem. Então, com o cenário inóspito, números galopantes, e com as perdas das vidas, nós decidimos, no final de maio, postergar todos os eventos da marca para 2021, entendendo que o principal era não promover qualquer tipo de aglomeração, não incentivar os eventos físicos e prezando sempre pela integridade e saúde das pessoas que habitam nessa cadeia do universo do morar, como eu chamo. Você pode imaginar o impacto disso para o negócio. O negócio Casa Cor está baseado em receitas que vêm de patrocínio, da bilheteria do evento, da venda dos espaços, ou seja, não ocorrendo isso, você não tem a receita. Então esse foi o quadro do ano, mas rapidamente mudamos o cenário e a crise trouxe uma oportunidade de um novo projeto.

As crises sempre trazem novas oportunidades…

Verdade. Hoje temos um novo produto, que nós estamos chamando de Janelas Casa Cor. Esse novo produto traz o DNA da marca, porque a ideia é que a gente ocupe as cidades onde estamos. Salvador terá o Janelas Casa Cor, que vai trazer um pouco da marca, convidando profissionais a pensar os espaços de morar. O Janelas Casa Cor fará uma reflexão de como será a casa após a pandemia. O que é que muda na casa? Quais são as novas necessidades que ocorreram? A gente está vivendo uma grande transformação, em todas as frentes. Do trabalho, a gente foi obrigado a permanecer em casa e a executar tarefas que eram feitas fora de casa. A maioria de nós tem uma vida profissional ativa, a gente passava mais de 8h a 10h fora de casa e aí você precisa ter os espaços novos para trabalhar, para ter o rendimento escolar dos filhos, compartilhando o espaço com toda a família toda reunida. Enfim, temos aí a necessidade de espaços de higienização, porque as casas, aos poucos, foram perdendo, por exemplo, aquele hall de entrada, que no passado era tão necessário. A gente tem uma série de novas demandas que precisam ser pensadas e respondidas por esses profissionais. O conceito do Janelas vem com esse convite, que se faça essa reflexão e que se traduza isso em ambientes, ambientes esses que estarão fechados, seja em vitrines, seja em contêineres, e que serão acessados somente virtualmente, que é a janela virtual. Para você entrar nesse ambiente, você tem que abrir essa janela virtual. E ali, por meio de um tour 3D, vídeos com os profissionais falando sobre seus projetos, fotos, textos, você terá um convite para desbravar e conhecer esses espaços por meio digital. Então, no meio de toda essa crise da pandemia, a Casa Cor conseguiu inovar mais uma vez. Apresentaremos um projeto dessa magnitude, que será realizado em 10 cidades onde nós temos franquia, entre outubro e dezembro. O primeiro evento será em Brasília, que será inaugurado já na semana que vem.

A pandemia fez crescer o olhar das pessoas para a própria casa. Que conceitos passarão a ser levados em consideração a partir de agora nas obras, nas reformas e nas novas construções?

Olha, acho que sem dúvidas levaremos em consideração princípios muito básicos da arquitetura, que foram esquecidos ou foram, de certa forma, menosprezados. Nós vivemos em um país de intensa luz natural. Então, princípios básicos da arquitetura moderna, como explorar a ventilação e a iluminação natural, passam a ser cada vez mais necessários, quase imperativos nos projetos. Outra coisa, a questão da tecnologia vem para ajudar bastante, não só sob o ponto de vista de softwares, que possam ajudar no dia a dia da casa, mas com o suporte da inteligência artificial. Do ponto de vista da casa, a nossa indústria teve que dar respostas rápidas, nos oferecendo produtos que tenham mais qualidade, que ofereçam, por meio da nanotecnologia, possibilidades de serem autolimpantes, atóxicos. Então, eu acho que os projetos terão que ser mais sustentáveis. Sem sombra de dúvidas, você terá que repaginar espaços, como o hall de entrada, que permita você a fazer a higienização, até porque, dificilmente as pessoas voltarão a entrar com os sapatos que vêm da rua em casa. Eu acho que o ponto é pensar como a casa pode garantir a saúde dos seus moradores.

A Casa Cor é a maior mostra de arquitetura e design das Américas. O que tem sido feito para equilibrar o espaço dado para criatividade no evento e o desejo dos patrocinadores?

Nós temos alguns patrocinadores que são, praticamente, fundadores. Nós temos o grupo Duratex com a Deca, que é nosso patrocinador há 26 anos. A Casa Cor tem 34 anos. Então, são patrocinadores, em geral, muito longevos, porque eles percebem que a Casa Cor é uma plataforma indispensável para que essas marcas se solidifiquem e ganhem espaços, seja junto ao especificador, que é o arquiteto ou designer de interiores, seja no público final, que é o nosso visitante. Então se cria um ambiente muito propício a lançamentos de produtos. Muitas empresas testam seus lançamentos na Casa Cor. A Casa Cor também tem sido muito usada para reposicionamento de produtos, reposicionamento de marcas. Então, de fato, essa plataforma que se consolida é quase um “hub” para essa indústria, onde ela traz os seus produtos, testa e reproduz. Então a gente tem, por exemplo, a tinta oficial, que é a Coral, que é nossa parceira há quatro anos. A Coral fez um trabalho de reposicionamento da tinta no mercado da decoração, que é um trabalho espetacular. Ela passou a investir na tinta como elemento decorativo e não mais como um recurso para pintar, para tingir uma parede. E havia, no início, uma resistência muito grande dos profissionais, e hoje não, a gente vê que eles têm, inclusive, feito intervenções que chegam a ser até artísticas usando apenas a tinta, que era um produto, era uma commodity.

A marca Casa Cor é consolidada não só no Brasil como na América Latina e nos Estados Unidos. O que diferencia a Casa Cor das outras mostras que a gente tem no Brasil?

É difícil falar, porque a Casa Cor hoje não tem um concorrente no Brasil. Nós temos mostras que tentam reproduzir o modelo da Casa Cor. Algumas conseguem relativo sucesso, mas poucas tiveram essa longevidade da marca. Ela tem esse caráter inovador que dificilmente se vê em mostras que pipocam pelo Brasil afora. Eu acho que existem iniciativas, mas é interessante notar que tem sempre o modelo inicial da Casa Cor, que é o convite ao profissional para que faça um ambiente e a venda de patrocínios, que viabilizem a mostra. A marca tem princípios muito fortes, além da sustentabilidade. Hoje a gente tem um trabalho de implementar políticas de responsabilidade social, com esses contêineres, o projeto Janelas, não somente em São Paulo, mas em cidades como Salvador, Recife, que estarão espalhados por áreas muito carentes das cidades. Existe também esse olhar para a desigualdade social abissal que existe em nosso país, que a gente não pode fechar os olhos. Então há muitos ingredientes que tornam essa marca única. Ela não é mais apenas uma mostra de decoração. A gente tem um entendimento de toda a cadeia da indústria do morar, que poucos têm. Então orquestrar toda essa engrenagem e toda essa variedade de personagens torna a marca muito sólida e, ao mesmo tempo, muito inovadora. Ela consegue, tem robustez suficiente para ousar.

Muitos profissionais surgiram e se tornaram conhecidos através das mostras. Como a Casa Cor revela esses talentos?

Eu acho que é o bom espaço que o profissional tem hoje para mostrar o seu trabalho. Nós temos um corpo de curadores que faz, como é que eu te diria, uma caça aos talentos na Casa Cor. Nós somos constantemente procurados por jovens profissionais que estão chegando ao mercado, estão querendo se posicionar, mas grande parte do trabalho de detectar esses talentos é feito por esses curadores, por meio de pesquisas em sites, pesquisas de obras que a gente recebe ou indicações. Então é um trabalho de curadoria de farejar mesmo esses talentos. A Casa Cor é essa grande vitrine onde o profissional pode mostrar e exercitar sua criatividade e, assim, atrair futuros clientes.