
Abrindo sua nova fase na carreira, o cantor e compositor Luã Yvys lançou, em abril, o álbum ‘Deixei meu coração na Bahia’ que ele define como: “um disco para curtir o pôr-do-sol, ouvir com um amor e todo mundo cantar junto”. Neste seu quarto trabalho, Luã, que iniciou a carreira como produtor musical, traz 10 faixas autorais, sendo que nove são inéditas e uma – ‘Ainda Tenho Asas’ – que já havia sido gravada por sua mãe, a cantora Elba Ramalho. O projeto, que traz uma canção com voz de Caetano Veloso e produção de Filipe Soares, apresenta uma personalidade diferente em cada canção que por vez traz o pop e, em outras, o samba, MPB e xote. Em entrevista exclusiva com o Anota Bahia, ele falou sobre o novo álbum, referências, a conexão com a Bahia e refletiu sobre o cenário musical brasileiro.
A Bahia está presente nos meandros do álbum, tanto na faixa e nome do projeto ‘Deixei meu coração na Bahia’ quanto nas vozes e referências presentes nas letras. Qual a sua relação com a Bahia?
Minha relação com a Bahia é uma relação de vida, de muitas histórias. A minha mãe vai para a Bahia, para Trancoso, no sul da Bahia, desde antes de eu nascer. Então, antes de a gente ter a casa em Trancoso, eu me lembro da gente na rede, eu, garoto, ouvindo o mar bater, aquela brisa da Bahia. Minha mãe escutando Dorival Caymmi, escutando Gilberto Gil, naquela época a gente escutava álbuns no vinil ainda. Então, assim, eu tenho uma memória afetiva muito grande com a Bahia, eu cresci na Bahia, eu passei boa parte da minha infância. Aliás, todos os verões praticamente eu passo lá na Bahia, pelo menos um pouquinho, nem que seja às vezes uma semana, duas, às vezes um mês. Então, eu cresci, vivi e eu senti muito essa energia da Bahia e eu absorvi muito. Então, a Bahia sempre me inspirou, muitas canções, muitas vivências diferentes e principalmente essa amorosidade, que pode ser um amor de verão, pode ser um amor pelo lugar, mas são muitos cenários, é difícil a gente simplificar. Eu quis traduzir um pouquinho da minha relação com a Bahia e das minhas histórias afetivas que vivi lá, desde festa, desde ficar na praia escutando o mar, mergulhando. Então, esse álbum, acho que ele reflete um pouquinho desse bem-estar, dessa energia que é estar na Bahia ali, à beira-mar, e você curtir. E, às vezes, você querer festejar, dançar, mas, ao mesmo tempo, você nem prestar atenção, mas estar lá, estar tocando, estar embalando, estar virando a trilha sonora daquele cenário. E são muitos cenários, né? Então, acho que tentei traduzir um pouquinho de algumas histórias afetivas, amorosas e de vida mesmo que vivi lá.
A faixa que dá nome ao projeto conta com a participação de Caetano Veloso. Como foi o primeiro contato para o convite e qual o sentimento de tê-lo assinando uma parte do seu trabalho?
Na verdade, essa participação é um sonho antigo que se realizou. Eu esperei bastante tempo, foram mais ou menos uns dez anos atrás, no verão de 2014 para 2015, por aí. Me lembro que entrei no mar, mergulhei, e me veio a primeira melodia. E aí eu precisava botar uma letra rápida para não esquecer. E aí botei: ‘deixei meu coração na Bahia’. E aí eu falei ‘isso daqui dá um caldo, né?’. Sai correndo, fui pegar o violão. E aí eu comecei a musicar, comecei a fazer outras partes. Um amigo meu estava lá, o sambista Jorge Nova, que é meu parceiro nessa composição, e eu falei, cara, quer fazer uma letra aqui? E ele já mandou, ‘terra de Caymmi, Bonfim’. E aí a gente foi fazendo junto. Caetano é uma grande referência para mim, é meu padrinho, mas independente disso, eu acho que música combinava com ele, com a voz dele. Eu achava que, por alguma razão, ele iria se apropriar, não somente como o grande compositor maravilhoso que ele é, mas como um intérprete também que ele é. Então, eu esperei muito tempo e, aos 45 do segundo tempo, no álbum, o outro produtor, Felipe Soares, falou, cara, ‘você não tem outra coisa, não? Que a gente está indo por essa direção mais pop, mais contemporânea, mais moderna, mas se tem alguma coisa que fale da Bahia, não que traga esse negócio?’. Eu falo, cara, tem essa daqui. Eu mostrei, ele falou, ‘pô, cara, tem que entrar isso daí, traduz’. Contei que isso é um sonho antigo meu e ele falou para tentar. ‘Tem nada a perder, tenta’.
Falei com a Paula Lavigne, e ela foi super fofa, super amorosa, me deu super força de ‘claro, vai lá, ele é seu padrinho’. Ele aceitou na hora, escutou e falou que queria, sim, gravar. Foi emocionante, foi uma realização de um sonho que esperei 10 anos e uma semana da primeira comunicação para de fato ele gravar, foi uma semana de intervalo. Então, quando as coisas têm que acontecer, elas acontecem no tempo certo. E essa canção eu escolhi para ser o nome do álbum porque ela traduz, ela sintetiza muito bem toda a energia que eu quis botar no álbum, principalmente contando essa história amorosa, não somente em relação à Bahia, mas em relação às histórias, com amor, como. Tem vários amores aí rolando, então tem muitos aspectos disso. E, cara, eu amo, é meu xodózinho, essa canção é realmente uma realização de um sonho. Eu não consigo nem muito traduzir isso bem, mas eu estou contando mais ou menos o que eu consigo. Tem esse toque que fiz questão do violão do compositor. O Rafael dos Anjos gravou em cima do meu violão, mas eu falei que queria botar um violão mais rebuscado. O Rafael gravou, e ele falou, ‘cara, vou deixar o teu violão. Vou gravar igual como se fosse o violão do compositor’, que é uma coisa meio João Gilberto, Dorival Caymmi, eu quis pegar essa essência da Bahia, que é muito simples. O arranjo é muito simples, mas ele cresce com Caetano, então eu entrego o arranjo meio que para ele mesmo, para voz dele brilhar, e eu acho que deu super certo, e ele se apropriou da música, e, pô, isso para mim é uma honra imensa.
Nesse novo projeto, você trouxe às letras uma reflexão sobre viver o momento, as formas como se enxerga o que passou, religiosidade, cumplicidade. Como você enxerga o poder da música em poder gerar tais reflexões em quem ouve e levar realmente o que passa no coração do compositor para o público?
Eu acho que a música, principalmente quando a gente faz uma música e compõe um álbum que é todo autoral, eu acho que é um estado de espírito. A gente tenta traduzir o que a gente captou naquela hora, o que inspirou a gente naquele momento. Então, em várias dessas músicas você vê que tem uma mensagem ali, por mais que seja uma mensagem leve, tem uma mensagem, tem uma letra ali que se você para prestar atenção, ‘nossa, ele botou uma coisa de empoderamento aqui, ele botou uma coisa espirituosa aqui, ele botou um amor, mas um amor também que não é só aquele amor piegas, aquele amor que ele reflete algo a mais’. Eu sempre tento buscar isso nas minhas músicas, botar uma mensagem que às vezes é uma canção leve, despretensiosa, mas que tem uma mensagem ali, principalmente com as letras. E eu tentei sempre buscar, através dos ritmos baianos, do ijexá, afoxé, dos afro-sambas, de pegar um pouco dessas influências, de misturar e botar nesse caldeirão. Tem um reggae ali que mistura muita coisa, um xote também. Acho que isso tudo para mim foi muito presente também, quando eu era mais novo. Me lembro muito, na Bahia, eu dançava muitos forrós, o baiano, a Bahia adora um forró também, né? Então, um xote, muito reggae, então acho que essas coisas todas me influenciaram, fui absorvendo até que, na hora que botei a música, compus, muitos anos depois. Isso veio naturalmente. A música é um estado de espírito e ele influencia muito o ouvinte. Quis passar muito com esse álbum, essa leveza, um olhar delicado, doce, leve, mas que, ao mesmo tempo, tem uma mensagem ali, que se você prestar atenção, você fala ‘nossa, espera aí que isso daqui, ele tá querendo passar alguma coisa’, então é menos isso, deixar a pessoa absorver de forma natural o que a música traz. Serve para qualquer momento em que a pessoa esteja querendo festejar, querendo curtir, querendo relaxar, então acho que é isso.
No seu último trabalho “Essenímico”, você trouxe um ar mais espiritual e uma linguagem mais progressiva. Agora, em “Deixei Meu Coração na Bahia”, você traz um ar mais pop, mais MPB, com várias referências. Como se deu essa transição de composição dessas diferentes vertentes e como isso reflete na nova fase da sua carreira?
É, perfeitamente captou bem, é isso aí, o ‘Essenímico’ era um momento da minha vida muito especial. Assim, para mim, foi um fechamento de um ciclo muito forte. Eu fiquei 2 anos de produção, né? Desde 2017, fui lançada só em 2019 e foi um álbum em que eu quis muito me desafiar. Então eu compus, eu arranjei, eu produzi, eu toquei muitas coisas ali, a maioria, e é tudo baseado ainda dentro do toque da voz e violão. Todo o arranjo é feito dentro daquele primeiro álbum, dentro da voz e violão, então a essência é essa: voz e violão. Mas você vê que os arranjos e músicas são muito longas e vão para outro caminho, né? Muito difícil de você comercializar isso, de você fazer com que o mercado aceite isso de uma forma comercial mesmo, falar ‘como eu vou vender isso?’. Então, ao longo do tempo, eu lancei esse álbum e logo depois chegou a pandemia. E quando chegou a pandemia, eu me tornei pai. Então, assim, foi uma sucessão de eventos que a gente não tem muito o que fazer. Não dava para trabalhar esse álbum na estrada nem na mídia, porque não tinha outra notícia além de: todo mundo ficar fechado em casa. Então, a gente tem um estúdio, né? Eu tenho estúdio na casa da minha mãe, que eu administro. Então, no começo, eu falei, cara, quer saber? Vou me manter criativo, porque se não é aquilo, a gente começa a ficar em um lugar que se enxerga limitado, né? Que já tinha essa limitação autoimposta. E aí a gente foi e fiz um EP ‘De Pai para Filha’, para minha filha Esmeralda. Peguei algumas composições que eu já tinha também. E fiz algumas outras. E nesse álbum, eu começo a explorar uma sonoridade um pouco doce, suave. É um álbum mais de acalanto, né? Para minha filha, dedicado a ela.
Depois eu vou fazer o EP ‘Avante’, já em 2023, que tem uma sonoridade um pouco mais urbana. E eu falei, cara, eu acho que agora eu quero me experimentar no palco, quero sentir como é o artista no palco, já que eu não tive essa oportunidade antes. E indo para o palco, eu comecei a sentir isso. Misturei um pouco de todos os projetos que eu já tinha, do ‘Essenímico’ e dos EPs, e eu vi que era também um lugar difícil para a plateia se conectar. A plateia queria vir junto, mas não tinha como cantar junto aquelas músicas, né? É complicada, é uma coisa mais desafiadora e internaliza muito, é uma coisa muito intensa. Então eu falei, olha, eu acho que, artisticamente, eu quero explorar o meu lado mais comercial mesmo. Um lado que traduz um pouco Luã dentro do palco, de fazer a pessoa cantar junto. Eu quero sentir essa energia e eu acho que eu tenho essa capacidade também. Então eu comecei a compor, eu comecei a me ver em um lugar mais radiofônico, onde eu cantasse, fizesse a galera cantar junto, processar o show e ter essa troca com o público mais forte. E eu acho que nesse álbum consegui bastante isso. Eu acho que fiz refrões bem mais fáceis de se cantar, que ficam na cabeça com mais facilidade. Você vai num show e, ao mesmo tempo que quiser cantar junto, você canta, que se quiser dançar, você dança. Se você quiser só escutar, você escuta. E sem perder essência, que eu acho que a minha essência é isso, é ser voz e violão, mas, ao mesmo tempo, ser leve e ter uma mensagem ali por trás. Então, foram várias transformações até chegar aqui, mas eu fico bem feliz de estar nessa nova etapa da minha vida, né? Nessa é nesse novo degrau aí da jornada. Então, experimentando, vamos ver, vamos ver. Eu acho que vai ter um potencial aí de finalmente conseguir emplacar uma turnê. Quem sabe? Aí conseguir fazer bastante show pelo Brasil, que é isso que eu estou focando agora.
Samba, pop, xote, reggae. Escutando o álbum, se consegue notar esses ‘sabores’ em diferentes faixas, assim como um sutil R&B, cada música dentro do projeto tem sua personalidade própria. Como foi o processo criativo para a concepção e produção do álbum?
É, então, isso é o trabalho mais desafiador, né? Como a gente vai colocar cada faixa e fazer com que você tenha um sentido, que conte uma história. Então, eu acho que, dentro dos arranjos, primeiro foi o conceito de definir para onde a gente iria com o álbum, o que a gente iria falar. Em todas as composições, quando eu fiz, eu já tinha em mente um direcionamento de sonoridade que eu queria. Eu queria explorar uma coisa um pouco mais atual, como você falou, mesmo um pouco mais de beat, às vezes um pouco mais R&B, uma coisa mais lo-fi. Mas eu acho que o carro-chefe mesmo de tudo que possibilita isso é MPB. A música popular brasileira tem uma diversidade, uma pluralidade quase que infinita, né? A gente é muito rico dentro dessa cultura. Então, eu posso explorar isso tudo e ainda ser MPB, está tudo certo. E ser pop também, e ser reggae, ser alternativo, e botar tudo ali junto no caldeirão e ser. Eu vejo muito Caetano mesmo fazendo isso, fez muito dentro da história dele, Gilberto Gil. Então, assim, a gente tem muitos bons exemplos disso que fizeram e deram certo. E eu, como compositor e autor também – de letras, canto também –, me dou um pouco dessa liberdade de experimentar, porque às vezes a gente tem uma versatilidade na hora de fazer, de tocar, de cantar. Eu quero me explorar, eu quero me desafiar e ‘Ah, o que eu posso fazer? Eu posso vir por aqui, eu posso vir por aqui’. E assumir isso. Em um show são vários momentos, né? São vários cenários, então às vezes pode ser um momento mais intimista. Nesse show, quero fazer uma voz e violão, uma coisa um pouco mais ali ao pé do ouvido com o ouvinte, com o público, mas, ao mesmo tempo, tem uma hora que eu quero também botar uma festa, botar a galera para levantar, para dançar. Depois, no final, eu quero botar a galera para, enfim, cantar junto. E é isso, eu acho que tem para todos os gostos, tem muitos sabores e é um processo bem desafiador, mas eu tive paciência.
O outro produtor também, Filipe Soares, me ligou e ele falou, ‘Cara, é muito difícil a gente trabalhar algo em que a gente não tem tempo para compor, usar a criatividade a nosso favor’. Achar algo que combine com você, mas, ao mesmo tempo, tem essa linguagem radiofônica, mas você se senta à vontade, a gente vai, depois a gente volta. Então é isso, de experimentar. E eu acho que deu certo. Tudo que a gente fez ali deu bastante certo dentro da proposta inicial. Às vezes a gente tem uma data limite. A pessoa já vem, eu como produtor, às vezes falo, não, tem que terminar isso aqui. Então, não dá para a gente fazer muita coisa e a gente fica limitado ao tempo. Então, a criatividade se torna muito objetiva. E eu acho que a arte em si floresce melhor quando você explora um pouco da subjetividade que ela tem. Que pode ser muitos caminhos. Essa ida e volta até a gente definir mesmo um caminho… Tem músicas que são aquilo e pronto. A música, por exemplo, ‘Deixei Meu Coração na Bahia’, eu falei, cara, sinceramente, eu não vou botar nada que não seja parte da essência, porque eu acho que essa música é pura essência e só de ter a voz do Caetano, ela já traduziu o que ela tinha que traduzir. Não tem mais o que eu queria inventar nesse arranjo aí. Mas é isso, a gente vai explorando e vai aparecendo, vai surgindo.
Um dos destaques do disco é a música ‘Ainda Tenho Asas’, com a participação de sua mãe, Elba Ramalho. Um mês após o lançamento do álbum, que foi no dia 11 de abril, se comemora o Dia das Mães. Como foi poder trabalhar juntos nessa faixa, que está também presente na discografia dela, mas com outra roupagem?
Então, essa música é a única que não é inédita do álbum, é autoral, mas foi uma música por encomenda, né? A primeira que fiz na minha vida, assim, por encomenda mesmo. Minha mãe chegou lá em Trancoso, há muitos verões atrás, acho que no verão de 2020, por aí, e ela falou, ‘filho, eu quero, queria uma música assim e assim’, fiz uma postagem na rede social de um versinho que fiz, ela estava andando na praia, que ela gosta de andar na areia, e aí, quando ela falou isso, eu falei, tá bom, você quer o quê? ‘Ah, eu quero um xote, eu quero romântico, eu quero assim e tal’, e às vezes dá certo, às vezes não, né? Às vezes a gente demora, às vezes a gente é rápido, isso é uma coisa muito relativa. Veio rápido e veio com um potencial muito grande. Eu fiz o resto da letra, musiquei a canção, e aí a gente botou no álbum dela, a gente foi o nosso primeiro feat no álbum ‘Eu e Vocês’ dela, e para esse álbum, essa música é o xodó do meu produtor, né? O Felipe Soares chegou e falou assim: ‘Cara, eu quero muito botar essa música. Essa música é muito linda e tal’. Eu falei, é, mas ela é um xote bem para trás, bem romântico, eu gosto, mas deixa eu dar uma roupagem nova nela, vamos trazer um pouco mais para dentro desse universo que a gente está explorando. E aí eu acho que consegui manter a essência dela, que é um xote, mas eu boto uma pitada de pop nas guitarras, tem uma pitada de reggae, e na percussão, nos refrões, entra com samba reggae. Eu exploro esse lado mais da liberdade que ela traz, da coisa esperançosa, vira uma coisa mais para cima, não fica uma coisa tão para trás. Então, eu acho que deu super certo. E minha mãe gostou do resultado também, foi algo bem legal, a gente ficou bem feliz, eu também, e é uma música que tem, enfim, é aquilo, deu certo, fluiu, e é só alegria. É uma música que é bem especial dentro do álbum também, porque ela faz parte e conta muito bem a história, ela está dentro da temática que eu quis explorar e ela conta muito bem a história que eu queria para o álbum também.
Você nasceu em um berço musical. Em casa, na vida acadêmica, pessoal e profissional a música sempre esteve presente. Isso ainda se une aos grandes artistas com quais você formou parceria. Como tantas influências musicais entram no processo para você achar o seu som?
Isso é a vida, isso é a jornada do artista. Eu acho que desde sempre eu escutei muito. Eu sempre fui muito eclético dentro do meu gosto musical, então o fato de ter me formado lá fora do país trouxe também muitas influências que eu já tinha lá de fora, do jazz, do blues, do R&B e do pop americano. Então, assim, eu sempre gostei muito de escutar músicas étnicas, de vários lugares. Cada projeto, cada álbum, cada trabalho, você tem que ter um direcionamento. Eu acho que nesse álbum eu tiro esse direcionamento. Essas influências, eu sempre quero usá-las, mas eu tenho que saber dosar para fazer algum sentido. Para não ficar um caldeirão com um monte de mistura que não dá certo. Você tem que saber o tempero, tem que saber ali os sabores. O que usar para não se passar do ponto. Eu acho que eles vão conseguir usar bastante do que o absorveu, do que o gosto dentro da música também. É da MPB, da música baiana, mas eu tenho muitas composições ainda que eu quero explorar, quero fazer. Então assim, pô, quantas composições mais raízes eu tenho, mais pop. Então assim, é tudo isso. Nesse momento, eu acho que consegui traduzir bem onde eu estou e onde eu quero me ver enquanto artista. Acho que daqui a pouco vamos ver o que vai aparecer. Tem tanta composição aí que eu quero fazer ainda, que eu fico me coçando para fazer, mas eu me seguro. Eu falo, ‘não, deixa eu viver esse momento, depois eu foco nisso’, porque se não a gente não consegue parar para aproveitar esse momento. Eu estou muito nesse momento de colher o que plantei, né? Porque demora um tempinho para colher e, agora que está gerando frutos, eu quero que gere muitos mais frutos. Trabalho é isso. Vou esperar um pouquinho até começar a entrar no estúdio e começar a criar de novo mais coisas.
Tanto como produtor quanto como cantor e compositor, como você enxerga o papel dos streamings e a dinâmica que os números têm no cenário musical atual?
Eu acho que isso deixa o artista um pouco inseguro. Se o artista não vê o número, e eu passei por isso também artisticamente falando, enquanto produtor é uma coisa, mas enquanto artista a gente quer ver números, a gente quer que as pessoas escutem, a gente quer que a coisa dê certo. E isso traduz um pouco o que é dar certo. Os números, quando falam, não necessariamente querem dizer que deu certo. A gente sabe como funciona o mercado e a gente sabe que nem sempre aqueles números refletem uma realidade. Então, você vê que há muitos artistas com números absurdos, números grandiosos, mas no show não tem tanto número assim, não consegue lotar casas. Isso é uma coisa da nova geração, é uma coisa que está acontecendo agora, eu não sei quanto tempo vai durar isso, mas eu acho que o artista tem que ter uma conexão e um compromisso com a própria arte, que é isso que eu busco para mim. E uma verdade que seja naquele momento, está conectada com a minha arte. Então, lá no álbum de 2019, eu não tive números, mas eu estava muito realizado, eu estava muito feliz com o álbum que eu tinha lançado e, artisticamente, criativamente, eu falei, ‘nossa, eu dei tudo de mim, tá tudo certo’. Só que eu acho que agora eu posso explorar isso mais. A gente vai se experimentando e vai se conectando cada vez mais e vai mudando, né?
Eu digo isso por mim, né? Eu estou evoluindo, eu estou aprendendo, eu estou errando, eu estou acertando algumas coisas, eu olho e falo: ‘tá, beleza, vim por aqui, mas eu acho que isso daqui não serviu tanto, acho que eu vou por ali’. Mas tudo é um experimento. Acho que o número não pode ser o propósito maior de a gente fazer música, entendeu? A música tem um poder e ela ainda tem o seu mérito dentro da indústria e dentro do valor artístico. Os artistas têm que estar mais preocupados com isso do que está fazendo números e batendo metas e quebrando recordes, porque, no fundo, o que fica não é isso. O que fica vai ser a jornada que você fez, aquele momento que você viveu, aquela arte, aquela música que tocou você. ‘Caramba, cara, eu fiz essa música pensando em tal, poxa, que bonito’. E às vezes eu escuto o meu primeiro álbum e falo, pô, eu estava pensando nisso, eu estava vivendo isso. Então, assim, quanta coisa já mudou, né? Eu nem era pai naquela época, nem existia pandemia, nem… Sabe? Então, às vezes, em poucos anos, muda tanto. Acho que é isso, a gente tem que estar conectado com a nossa arte. No fim das contas, é isso que a gente vai levar para a vida.
Com tantos nomes surgindo e se mantendo em atividade, como você enxerga o panorama da música regional, feita no Nordeste, hoje no país?
Cara, eu acho que a música regional tem muitos caminhos, né? Eu acho que agora a gente tem tantos estilos novos, tantos gêneros novos, que é até difícil para mim. Cada vez eu olho e falo: ‘Não, isso daí não é mais isso daí, não, isso daqui agora é isso daqui. Mas espera aí, na minha época isso daí não era esse nome não’. Então, tem tantos estilos híbridos e eu vejo isso de forma muito positiva. O piseiro mesmo é um gênero que eu falo, ‘cara, eu acho que tá ótimo’. Eu chego na Bahia, é pagode baiano, é piseiro, é arrocha, é bastante coisa. Que maravilhoso! Eu explorei um pouquinho disso, né? Em uma música, só assim de botar um beatzinho ali. E eu acho que é ótimo. A música tem para todos os gostos. Eu acho que o gênero regional, que também é MPB, né? Não está separado disso, é muito importante e é fundamental para o nosso país. A minha mãe geralmente fala isso, ‘quanto mais regional, mais raiz, mais universal’. Então, eu acho que quando as pessoas lá de fora, de outros países, querem escutar o Brasil, elas não querem escutar o pop do Brasil, necessariamente. Elas querem escutar o que vem do Brasil. Então, você vê, elas não querem escutar o pop feito no Brasil, elas querem escutar o funk, que eles não têm lá. E eles querem se apropriar disso um pouco, o baião. Eles querem escutar aquilo que é feito aqui. Então, acho que cada país fornece e compartilha o que tem de melhor que a sua cultura. E a gente é muito rico musicalmente, culturalmente, para ficar, às vezes, se nivelando com outras culturas, entendeu? Querer chegar na referência que é lá de fora. Acho que para os artistas falta um pouco dessa visão de valorizar o que é daqui, entendeu? E é isso que eu busco muito na minha arte. Por mais que eu tenha muitas influências, eu sempre busco essa raiz que é a música brasileira.
Luã Yvys. Foto: Pato Ramnsy