
Indicada ao Grammy Latino 2025, na categoria Melhor Álbum de MPB/Música Afro-Portuguesa Brasileira, a multiartista baiana Luedji Luna vive um momento frutífero em sua carreira. A segunda seleção para uma das premiações mais importantes da musica mundial é só a ponta do iceberg no 2025 da cantora e compositora. Entre musicalidades plurais e turnês, ela desenvolveu novos projetos, atuou como atriz no filme ‘A Melhor Mãe do Mundo’, dirigido por Anna Muylaert, realizou a primeira edição da sua festa Manto da Noite, e fez um feito raro: lançou dois álbuns no intervalo de um mês, ‘Um Mar Pra Cada Um’ — indicado ao Grammy — e ‘Antes Que A Terra Acabe’.
Combinando potência poética, espiritualidade e musicalidade refinada, a cantora dá continuidade à circulação nacional dos novos discos. Em Salvador, ela trará seus arranjos cuidadosamente construídos para o ambiente ao vivo, combinados com temas como amor, desejo e cura, para a apresentação da sua turnê ‘Um Mar Pra Cada Um, Antes Que A Terra Acabe’, neste sábado (25), na Concha Acústica do Teatro Castro Alves. Todo esse momento marcante de sua trajetória foi abordado em entrevista exclusiva para o Anota Bahia, onde Luedji fala também da arte, parcerias, mercado musical e ancestralidade.
– Este ano você fez algo um tanto que inusitado no mercado atual: lançar dois álbuns autorais no mesmo ano. Ambas as produções conversam entre si, retratando faces diferentes. Como foi o processo de composição?
Luedji Luna – Foi muito intuitivo. Eu estava num momento muito criativo, com muitas coisas borbulhando dentro de mim, e os dois trabalhos nasceram quase como um desdobramento natural um do outro. Cada álbum tem sua energia própria, mas ao mesmo tempo eles se conversam e são como espelhos. Um é mais íntimo, mais delicado, e o outro traz uma força mais expansiva, mais coletiva. Foi bonito ver isso tomando forma e encontrar um jeito de colocar tudo no mundo de uma forma verdadeira. Eu tinha tanto a dizer, não tive medo em colocar no mundo dois de uma vez.
– O ‘Um Mar Pra Cada Um’ lhe rendeu mais uma indicação ao Grammy Latino. Qual o peso de uma possível premiação?
Luedji Luna – A indicação em si já tem um peso muito grande. Estar ali, sendo reconhecida, representando minha arte e a música brasileira nesse espaço, já é uma vitória. Fiz esse álbum para a música, sem pensar em prêmio, em números, em alcance. Unicamente para a música. Claro que ganhar seria lindo, mas eu valorizo muito o processo, a caminhada, e o que essa visibilidade representa — especialmente para uma mulher negra baiana fazendo música autoral. Isso abre portas e mostra que é possível ocupar esses lugares com a nossa verdade.
– Suas últimas produções marcam uma “transição” de uma vertente mais pop para texturas características do neo soul, jazz, MPB e R&B. O que te motivou a explorar mais esse lado? Quais influências foram congregadas para gerar o seu som?
Luedji Luna – Eu sempre gostei de experimentar. Minha música nunca foi sobre ficar presa a um estilo, mas sobre expressar o que estou sentindo naquele momento. Tenho escutado muito jazz, R&B, soul, e esses gêneros sempre estiveram presentes na minha formação, mesmo que de forma sutil. Agora eles aparecem com mais força, mais clareza. É uma forma de me permitir liberdade criativa e de trazer novas camadas para minha sonoridade.
– A nova música baiana tem originado grandes figuras negras femininas que estão em ascensão e se consolidando no mercado, como Sued Nunes, Majur, Jadsa, Rachel Reis, Larissa Luz, dentre tantas. Qual a representatividade disso e qual a importância de se incentivar esse movimento?
Luedji Luna – Isso é muito lindo de ver. Por muito tempo, a música baiana foi contada de uma perspectiva muito limitada, e hoje a gente vê mulheres negras ocupando esse espaço com força, talento e diversidade. Cada uma traz uma história, uma estética, uma verdade. Isso é revolucionário. A gente tá ressignificando o que é ser artista baiana e mostrando pro Brasil e pro mundo a potência que sempre existiu aqui. Apoiar e fortalecer esse movimento é fundamental pra que ele cresça ainda mais.
– O crescimento da sua carreira vem em ritmo acelerado, com shows, reconhecimentos e novos projetos. Como você lida para que todo esse movimento não te sobrecarregue?
Luedji Luna – Essa é uma construção diária. Eu tenho aprendido a respeitar meus limites, a dizer não quando preciso e a priorizar o que me faz sentido. É muito fácil se perder nesse ritmo acelerado, então tento manter meus pés no chão, cuidar da minha saúde mental e emocional, e me cercar de pessoas que me ajudam a manter o equilíbrio. Quero também ser mãe, ser esposa, ser amiga, então tenho que prestar atenção nesses limites e não desrespeitá-los.
- Para além de artista, você também é mãe, companheira. Como você faz o balanço entre suas faces para que o ecossistema Luedji Luna se equilibre?
Luedji Luna – Não é fácil. Mas é possível. Eu tento estar presente de verdade nos espaços que ocupo — seja com meu filho, com meu companheiro, ou no palco. Nem sempre dá pra equilibrar tudo perfeitamente, e tudo bem também. Eu aprendi a acolher minhas imperfeições e a entender que ser artista e ser mãe fazem parte de uma mesma mulher.
– Em ‘Um Mar Pra Cada Um’ e ‘Antes Que A Terra Acabe’, você teve colaborações de grandes nomes da música afro-brasileira, como Ubiratan Marques, Luiz Melodia, Seu Jorge, Tali, Liniker, Milton Nascimento. Como é produzir com esses artistas, e qual a importância dessa união dentro do mercado musical?
Luedji Luna – É muito especial. Cada um desses artistas tem uma trajetória incrível, uma força muito própria. Estar ao lado deles, criar juntos, é uma troca muito rica. Isso também fortalece a música afro-brasileira como movimento — mostra que a gente tem uma rede potente, que se apoia e se impulsiona mutuamente. Essas parcerias deixam marcas lindas nos discos e no meu coração.
Luiz Melodia sempre foi uma referência musical, desde a infância. Assim como Milton. Ter citações deles é uma honra. Ubiratan Marques é a representação da música baiana, do jazz que também é nosso. Seu Jorge, o maior que temos. Tali, que carrega no sangue o talento e dom da família, que revolucionou o R&B nacional. Liniker é a maior do pop que temos. É minha amiga, irmã de longa data, e tantas vezes já nos pediram esse feat. Ficou tão lindo, intenso.
– Seja nos discos e nos palcos, qual o impacto de abordar temas de ancestralidade e enaltecer a negritude, ainda mais com sua potência poética e musicalidade?
Luedji Luna – Isso é o centro de tudo. Minha arte nasce da minha ancestralidade. Falar sobre negritude, sobre identidade, sobre pertencimento, não é um tema — é minha existência. Quando canto, estou afirmando histórias que foram silenciadas por muito tempo. E ver o público se reconhecendo nisso, se emocionando, é o que dá sentido ao que faço.
– Como você enxerga o mercado musical atual: Até que ponto os padrões impostos pela indústria têm limitado o poderio criativo dos artistas? Falta engajamento por parte do público de sair e consumir a arte?
Luedji Luna – A indústria tem, sim, seus padrões e suas pressões, principalmente quando se trata de artistas negros e independentes. Quando tem um no line up, não pode ter o outro. Às vezes isso difere, muda, mas ainda é pouco para toda a diversidade de Brasil que temos. Por outro lado, também vejo muitos artistas buscando caminhos próprios, criando alternativas. O público tem um papel muito importante nisso — apoiar, ir aos shows, consumir de forma consciente. Quando as pessoas entendem que arte também é resistência e transformação, muita coisa muda.
– O seu talento transbordou as ondas sonoras e chegou nas “telonas” com o filme ‘A Melhor Mãe do Mundo’. Como é para você participar dessas produções e poder explorar novas artes?
Luedji Luna – Foi uma experiência linda e desafiadora. O cinema é um outro universo, mas também é arte, é narrativa. Eu gosto de me permitir viver novas linguagens, novos caminhos. Isso também alimenta a minha música, amplia meu olhar como artista.
- Dois álbuns lançados, singles, filme e indicações ao Grammy Latino, tudo isso em um intervalo de meses. Quais os próximos passos para Luedji Luna?
Luedji Luna – Eu tô vivendo um momento muito bonito, e quero aproveitar isso com calma, com presença. Tenho novos projetos chegando, mas também quero me permitir respirar, absorver tudo que está acontecendo. O futuro vem, mas eu tô aqui, no agora.
– No dia 25 de outubro, você volta para sua terra para um show na Concha Acústica do TCA. Qual a expectativa para apresentação, ainda mais com a participação de Seu Jorge e Tali?
Luedji Luna – A expectativa tá lá em cima. Cantar na Concha sempre tem um sabor especial, e dividir esse palco com Seu Jorge e Tali é uma alegria enorme. Vai ser uma noite de muita emoção, de muita força, de celebração. Salvador merece esse encontro.

