Rafael Medrado não para. O ator baiano radicado em Lisboa, Portugal, entrou em 2020 de forma eletrizante, apresentando sua peça “Três Cigarros e a Última Lasanha” em Salvador, e já emendará com uma sequência de projetos em diversas áreas, como cinema, teatro e série para serviço de streaming. O Anota Bahia conversou com Rafa sobre sua carreira, sua vida na ponte aérea Salvador-Lisboa e as novidades para o resto do ano.

Há alguns anos você mora em Portugal. Quais os motivos desta mudança e como é se manter nessa longa ponte aérea atravessando o oceano?

Bom, pra começar, eu moro em Portugal já fazem três anos. Basicamente, o motivo da minha viagem foi quando o Brasil começou enfrentar essas novas convulsões políticas, após o Impeachment da Dilma [Rouseff]. Eu fiquei muito preocupado com a nova condução do país, na época, do presidente Michel Temer, especialmente em relação aos seus novos projetos em relação à cultura, como a extinção do Ministério. Eu sou um ator, trabalho com teatro, cinema e audiovisual, logo fiquei preocupado com a possibilidade de acabar virando um operário dentro de uma indústria a qual o governo estava retirando todos os fomentos. É difícil, em qualquer área que você trabalhe é necessário o incentivo. Quando isso aconteceu, eu já tinha vontade de ir para Lisboa, havia me apaixonado pela cidade anteriormente, ainda mais sendo baiano, visto que reconhecemos pontos específicos da capital portuguesa; sendo soteropolitano, a identificação é muito forte, as duas cidades são bastante barrocas, a arquitetura e os bairros são muito parecidos, então a conexão foi muito fácil e harmoniosa, eu me apaixonei pela cidade. Desde então, comecei a ficar nessa ponte aérea, que é bem tranquila para mim, não tenho medo de avião, a depender do voo a quantidade de horas é sem problemas, consigo dormir tranquilamente, além de ser necessária, pois desenvolvo projetos tanto em Portugal quanto aqui no Brasil, especialmente em Salvador, já que há um público, uma sociedade a qual eu gosto bastante de poder apresentar meus trabalhos pelo menos uma vez por ano. Além disso, a minha família mora aqui, então manter uma relação de trabalho com a cidade também é um pretexto para estar mais com eles, estar com meus pais, ficar mais próximo da identidade baiana, que faz parte de mim, que carrego, que me alimenta e me refresca, como agora. Estou muito feliz de voltar, fiquei fora por quase um ano, está sendo muito delicioso.

Você está em cartaz com a espetáculo “Três Cigarros e a Última Lasanha”. Do que se trata essa peça e quais suas expectativas para apresentá-la na Bahia?

Eu estava em cartaz com ‘Três Cigarros e a Última Lasanha’, no Teatro Sesi do Rio Vermelho. As últimas duas apresentações foram no último fim de semana. A peça é um espetáculo que estreou em 2015, na Cia. Ateliê Voador, dentro de um projeto chamado Solos Voadores. Ela se baseia numa história real para criar uma narrativa de um homem que fuma três cigarros todos os dias. Como são apenas três cigarros, estes acabam sendo muito meticulosos, eles tem momentos certos; o homem é bastante metódico, ele apenas os acende em momentos específicos e calculados do seu dia, geralmente circundando o momento do almoço. Numa quinta-feira, ele está comendo uma lasanha num restaurante que ele geralmente frequenta quando alguma coisa lhe decepou a mão. Após isso, ele recebe a proposta dos médicos de ter uma nova mão implantada. O processo corre perfeitamente bem, mas a cabeça do indivíduo não aceita a nova mão, gerando um conflito que vai desde a funcionalidade até a estética, passando por toda a pressão social do acontecimento, que o tornaria diferente. A peça foi escrita pelo Fernando Bonassi e pelo Vitor Navas, que se baseia numa história que realmente aconteceu na Inglaterra, e é dirigida pelo Djalma Tuler. É uma tragicomédia fantástica, que aborda diversos fatores sociais interessantes. Eu me realizo bastante tanto na comédia — que é algo bastante complexo e repleto de signos — quanto na tragédia, que é algo que acaba nos permeando e alimentando nossa existência como seres humanos. Nesses cinco anos que apresento esse espetáculo, as questões abordadas ficam cada vez mais relevantes, me deixando mais sensíveis à elas ao longo do tempo. Já ganhamos alguns prêmios com essa apresentação, e também fizemos algumas turnês tanto pelo Brasil quanto em Portugal, tendo uma excelente receptividade.

Esta mesma obra também fez temporada em Portugal. Quais as diferenças da forma de trabalho entre o Brasil e lá? Tem diferenças notáveis nos espectadores?

Bom, eu tenho algumas experiências sobre fazer arte, mais especificamente teatro, em Portugal e no Brasil. Eu fiz duas novelas em Portugal, e participei de alguns curta-metragens e de alguns outros projetos. Enquanto em terminava meu mestrado por lá, também acabei atuando em outras peças teatrais. É muito interessante pois, primeiro, o povo português sabe muito mais da nossa história do que sabemos da história deles, mesmo com a gente tendo sido colonizado por eles. Mas principalmente como a televisão nacional portuguesa tem muito pouco tempo, se não me engano apenas 10 ou 15 anos, eles acabaram assistindo muitas obras brasileiras ao longo do tempo, especialmente as produções da década de 1980 até os anos 2000. Com isso, eles tem muito hábito com nossas gírias e expressões. É muito mais tranquilo fazer um espetáculo brasileiro para a comunidade portuguesa do quê o contrário. Fui bem balizado por uma excelente equipe portuguesa para apresentar o “Três Cigarros” na Europa, e sou muito grato pela oportunidade que recebi por aqui. Enfim, as mudanças foram bastante pequenas em termos de linguagem, até porque o público português fica bastante atento na história, sobre como ela se desenrola, especialmente sobre as reflexões e emoções que o espetáculo traz. 

Em fevereiro de 2020 se iniciaram as gravações da série “Zé faz 25”. Do que se trata esta nova obra e quais suas expectativas? 

Começamos agora em fevereiro as gravações de “Zé faz 25”. Será a primeira série totalmente portuguesa — comigo de ousado — feita para streaming. A produção e a direção é do Manuel Pureza, que tem uma trajetória impecável há muito tempo, apesar de ser bastante jovem. Nós já produzimos bastante coisas juntos, e em agosto do ano passado fui surpreendido com o convite para atuar nessa série. A história da série, que é dividida em oito capítulos, é baseado numa festa onde tudo acontece, numa casa de jovens universitários bem distante. Durante o festejo, após uma denúncia dos vizinhos, a polícia chega, pergunta pelo dono, porém este não se encontra. O dono da casa é o Zé, que intitula a série. Cada episódio mostra a perspectiva de cada um dos oito personagens principais durante o depoimento à polícia. Meu personagem é o Guedes, que é um motoboy chamado para entregar pizzas, mas acaba ficando e festejando. Ainda não posso informar em qual empresa que o projeto será transmitido, mas adianto que será numa das maiores players do mercado, algo que Portugal já merecia há algum tempo. Enfim, estou muito, mas muito feliz por ter participado dessa série.

Por fim, quais suas expectativas para o restante de 2020 e o qual seu sonho/desejo que você ainda não realizou?

Pra 2020, minhas expectativas são frutos de meus desafios de 2019, que foi um ano bastante desafiador… Terminei meu mestrado, passei por um processo bastante solitário e imersivo de investigação, que foi muito bom, fiquei muito feliz, me alimentei dos meus estudos e agora trabalharei para colocá-los em prática. Estou em Salvador agora, fico aqui até março. Vou começar as filmagens de um filme chamado ‘Carnaval’, que também é para uma plataforma de streaming. É um filme bem legal que se passa na folia de capital soteropolitana. As filmagens se passam em Salvador e no Rio de Janeiro, então ficarei nessa ponte aérea até março. Logo após voltarei correndo para Lisboa para fazer minhas inserções no ‘Zé faz 25’. Estou muito feliz, com muita sede e vontade de produzir. Também estou com um projeto novo em Portugal, um espetáculo teatral chamado ‘Leviatã – O Servo do Povo’, que é um texto que estou escrevendo. A estreia será no dia 02 de maio, no Teatro da Comuna, em Lisboa. A peça fala sobre os tratados da política moderna, sobre seus princípios e sua governança, como ‘O Príncipe’ de Maquiavel e ‘Leviatã’ de Hobbes, se baseando na história de Volodymyr Zelenski, presidente da Ucrânia. O projeto é em parceria com a LadoBe Creative, que é a produtora e agência de minha esposa, Luana Bistane, que também desenvolve projetos em Portugal. Logo, estou muito feliz, especialmente por poder trabalhar com ela tanto em meus projetos como em diversos outros da Lado B como produtor. Também teremos várias novidades para o segundo semestre, e estou cada vez mais faminto para este ano, para cada mais fazer arte, sensibilizar pessoas. A arte tem o poder da metáfora, e é por isso que ela é um dispositivo pensante. Ela não exige que você pense, é a única opção possível. É nesse lugar que você treina seu cérebro, assim como a academia para os músculos. Agora, com 33 anos, estou mais maduro, mais sensível, mais atento ao tempo, as pessoas, aos afetos, as sensações e as emoções.