A deputada Roberta Roma
A deputada Roberta Roma. Foto: Divulgação.

Administradora por formação, bancária em ascensão, Roberta Roma viu sua carreira mudar quando o marido, João Roma, decidiu que iria apostar todas as suas fichas em um cargo eleitoral. Ali, ela renunciou aos seus projetos pessoais e lhe deu as mãos para enveredar pelos bastidores e corredores do poder. À época em que ele era chefe de gabinete da Prefeitura de Salvador (2012 a 2018), ela nutria uma amizade de muitos anos com a família daquele que ocupava a cadeira principal do Palácio Thomé de Souza. “Eu vivi nesse universo denso por muitos anos, desde a minha juventude. Eu estava inserida ali naquele contexto social. Eu compunha as mobilizações políticas. Eu era de dentro de casa”, lembrou ela.

O tempo passou, o mundo girou, seu marido se tornou deputado federal e depois Ministro da Cidadania, no governo de Jair Bolsonaro, o que provocou uma série de iras, perseguições e mudanças no panorama político baiano. “Açoitaram todos os que o tinham a mais alta estima e, claro, que todo mundo tem que colocar comida na mesa, não poderia, numa condição de escolha, deixar o coração falar. Foi uma época muito tensa”, disse. Atualmente, ela ocupa o cargo de deputada federal e chegou em Brasília com a chancela de ter sido a mulher mais votada do estado para a Câmara Federal, com mais de 160 mil votos. Nesta entrevista exclusiva ao Anota Bahia, Roberta Roma fala sobre sua trajetória, seu lado familiar, as mágoas que os rompimentos lhe trouxeram, a pecha de ter surfado na onda Bolsonarista, o envolvimento emocional, o protagonismo feminino e sobre o futuro. Confira na íntegra!

Temos visto você despontar nas redes sociais como uma mulher pluri talentosa, o que vai muito além da política. Quem é essa Roberta Roma?

Rapaz, é muito difícil a gente se definir, porque essa coisa de dizer, assim, eu sou isso ou aquilo, acaba limitando muito a nossa persona. Eu sou o que pinta. Sem scripts, sabe? Tô ali, falo o que eu penso, o que eu acho. Mas eu acredito que, sobretudo, eu sou muito raiz. Desprendida de algumas convenções muito tradicionais. Eu me jogo, quando necessário, até porque, o papel de parlamentar, exige ritos e liturgias as quais a gente tem que seguir. Mas eu mesma sou mais “made in roça”, entusiasta da liberdade de ser quem se é, gosto de levar a festa comigo e já chego chegando, com respeito, mas também com muita alegria para distribuir.

E a Roberta mãe?

Eis a questão. Ou não. Como eu falei, eu fujo dessas convenções tradicionais. Aqui em casa, cai por terra qualquer papel romântico que pintam da maternidade. Ser mãe mexe com tudo. Eu mesma não me imaginava mãe. Hoje, se você me perguntar, eu não me vejo sem meus filhos. Mas não era um projeto de vida, entende? Aí veio Joãozinho, eu experimentei desse amor e nunca mais fui a mesma mulher. Depois veio Clarice e me completou. Sendo mãe, a gente se descobre num equilíbrio até meio doido entre ser a rocha e a sensibilidade. A gente fica mais atenta, mais inquieta. O futuro passa a ser uma preocupação. A gente pensa, “E se eu faltar? Como é que vai ser esse babado?”. A gente se cobra, não quer errar, não quer prender demais, nem soltar demais. Filho não vem com manual, né? Então, nessa lida, eu prefiro criar os meninos com muita autonomia, independência e liberdade. A gente entra em acordos dentro do que é possível negociar, a gente dialoga, a gente se diverte.

Se tiverem que se sujar, vão se sujar. Vão ter as experiências deles, no tempo deles, as sensoriais, as emocionais. Se eu não puder evitar uma queda, estou aqui para ensinar a se machucar, a lidar com a dor. É uma relação muito harmônica a nossa. Tem que ser, né? Principalmente agora, com essa vida dupla. A sorte é que eles são muito meus parceiros e que a minha família é uma importante rede de apoio que fortalece essa ponte entre nós, mesmo às vezes com a distância física. A campanha testou muito a gente nesse sentido e chegamos até aqui fortes e unidos. Eles com orgulho e eu com gratidão a Deus, a eles e a todos os que nos rodeiam e nos cercam de amor nessa caminhada.

Falamos do lado mãe e mulher, e a esposa de João Roma, o ex-ministro da Cidadania e atual presidente do PL na Bahia?

Relacionamento é desafio constante, né? Eu sou uma grande admiradora de João. Da sua entrega, da sua dedicação, da sua fé, dos seus propósitos, da sua humildade, da sua simplicidade. João é muito prático para tudo. Abnegado. Desprendido das coisas materiais. Comprometido com o que está sob a sua responsabilidade. Isso passa para a nossa família muita segurança e, assim, eu sou taurus [signo de touro], né? (risos). A pessoa taurina não é só gulosa, a gente precisa se sentir enraizado mesmo. É signo de terra. A gente desconfia de tudo, a gente não lida bem com mudanças, tem muita constância, muita disciplina e a nossa zona de conforto é, de fato, a segurança. Mas quando eu falo isso, não to falando da segurança de proteção, não. Até porque eu sei me defender. Inclusive, João sempre me incentivou muito nesse lance de criar essa autonomia.

Eu sempre gostei de me desafiar. Sou competitiva e ele dá esse gás a isso, ele estimula, vibra, curte. A gente vive muito sintonizado. Gostamos de aventuras, roça, animais. Nossos gostos convergem muito. Foi, certamente, uma sorte encontrar João para ser meu parceiro de vida. Por isso, quando ele se lançou à vida pública, em 2018, eu mergulhei nesse sonho com ele. A gente já tinha 10 anos de casamento, quase 11, já tínhamos os meninos, toda uma love story antes. Eu já tinha uma carreira bem consolidada no ramo bancário, ocupei posições importantes no Norte e no Nordeste do Brasil. Vivemos o desafio da relação à distância por dois anos, quando eu fui gerenciar uma agência em Macapá (AM), e tiramos de letra.

Como eu sabia que ele havia se preparado a vida inteira para essa missão de servir à coletividade e de promover o bem comum, coloquei os meus projetos pessoais à parte e fomos juntos nesse sonho o qual ele chama de vocação e eu sinto muita verdade nessa afirmação. João foi deputado federal, eu tive um espaço muito bacana ao seu lado, muito além do que costumam ver, que é aquele papel da esposa figurativa, da esposa dos programas sociais, das fotos engessadas. João me deu liberdade de contribuir com seu mandato, me escutou muito, me ensinou muito também e ele sempre fez questão de afirmar que éramos “o casal deputado”, que eu tinha protagonismo naquele mandato. Isso me fazia sentir ainda mais valorizada, óbvio que não por vaidade, mas por reconhecimento a toda uma caminhada que envolveu renúncias, privações, provações, desafios, até que a gente consolidasse um caminho nessa seara.

João foi ministro, vocês sabem, foi aquele alvoroço todo, eu me envolvi emocionalmente nessa história, mas assim, eu via ali, sempre vi, um cara merecedor. Um cara que não precisou puxar o tapete de ninguém. Que chegou no Congresso Nacional muito antes e, mesmo conhecendo aquele parlamento, tinha a missão de aprender naquele espaço e honrar a confiança de quem lhe fez estar ali. Aí, logo no primeiro ano, ocupou muitos destaques importantes na agenda legislativa, como articulador especialmente, também pôde ajudar muita gente. E isso foi visto, foi validado e ele foi despontando como um nome forte em Brasília. Ninguém facilitou o caminho, não. Ele pavimentou a própria estrada e, merecidamente, chegou num dos mais importantes ministérios e deu o show que deu, fazendo história no país. Chocando um total de zero Robertinhas Roma (risos).

Roberta Roma
Roberta Roma. Foto: Reprodução.

E desse envolvimento emocional que você falou, quando houve a nomeação de João para o ministério, ficou o que?

Olhe, eu não costumo florear, não. Eu falo o que sinto. Então, bora lá! Ficou muita mágoa à época. Foi um cristal ali que quebrou – que quebraram, na verdade. Foi uma postura que a gente não esperava, foi uma reação hostil que revelou – de cara – uma coisa que a gente até sentia lá no fundo ou sabia no nosso inconsciente que poderia existir, mas que nunca foi muito evidente. Que era, de fato, uma disputa unilateral, uma coisa de ego, de vaidade. João se entregou de corpo e alma a um projeto que nem era seu, contribuiu e muito para destacar um trabalho de gestão importante, para projetar alguém por consideração, por amizade, por carinho. E quando ele mais precisou, lhe devolveram isso em palavras cruéis, em covardia.

Açoitaram todos os que o tinham a mais alta estima e, claro, que todo mundo tem que colocar comida na mesa, não poderia, numa condição de escolha, deixar o coração falar. Foi uma época muito tensa. Fomos procurados por pessoas que choravam, porque se diziam obrigados a coisas fúteis, como nos bloquear das redes sociais, por exemplo. Veja você o nível que as coisas chegaram. E isso nos entristeceu muito. Por outro lado, tudo isso nos fez despertar para a realidade que sempre esteve posta à nossa frente e que não queríamos enxergar: a relação de conveniência e subserviência que envolvia um projeto pessoal no qual João foi muito usado em seus potenciais. E se eu falo isso, gente, não é somente porque eu tomo ou tomei as dores de João. Eu vivi nesse universo denso por muitos anos, desde a minha juventude. Eu estava inserida ali naquele contexto social. Eu compunha as mobilizações políticas. Eu era de dentro de casa, por isso talvez a mágoa veio forte e não a surpresa. Eu sou do princípio do mexam comigo como for, mas não mexam com os meus que eu me desconheço.

Então, pelo que entendemos aqui, não tem mais volta mesmo?

Então, em tratando-se de política, a gente precisa trabalhar com a neutralidade, com a complacência. No campo pessoal é diferente. Acho que tudo foi muito profundo, não sei se eu, Roberta, abro meu coração mais não.

Queríamos que comentasse sobre a participação feminina na política. Como você percebe isso sendo parte desse universo hoje.

Bom, eu francamente acho que temos um longo caminho pela frente nesse contexto. Hoje estou presidente do PL Mulher na Bahia e essa, sem dúvidas, é uma das nossas principais missões: fomentar o protagonismo das mulheres na vida pública, o envolvimento nos assuntos políticos. A gente precisa viver essa revolução e ampliar essa representatividade, sem dúvidas.

Toda mulher já nasce com força e coragem para transformar a própria realidade, transbordar de si, transcender e ocupar todos os lugares. Ser mulher é um paradoxo constante e é esse mesmo paradoxo que nos impulsiona a ir além. Tenho orgulho de ser mulher e viver inspirada por histórias de tantas guerreiras que deram e que dão tudo de si para fazer valer a nossa força e ecoar a nossa voz. Vamos em frente, enfrentando as estruturas arcaicas e lutando por equidade em qualquer espaço.

Essa estrutura excludente não faz mais sentido no século XXI. A Bahia, por exemplo, ficou anos sem eleger uma deputada federal para o Congresso. Hoje, com muito orgulho. Muito orgulho mesmo, eu carrego a responsabilidade de ter sido eleita a mulher mais votada para a Câmara Federal nessa legislatura [57a] e uma das mais bem votadas de toda a história eleitoral do estado. Isso é mais do que simbólico, é histórico. Foram 160.731 mil votos em todos os municípios da Bahia. Sou grata pela confiança e, portanto, trabalho com muito afinco para honrar cada baiana e baiano e destacar a minha terra no cenário nacional, buscando sempre e sempre ser um exemplo para outras mulheres que querem ir mais longe do que imaginam.

Mudando um pouco de assunto, mas sem deixar a polêmica à parte, associam muito a sua eleição a Bolsonaro. Você concorda com isso?

É natural que façam essa associação, até porque João foi ministro do governo Bolsonaro, foi o candidato da majoritária na chapa, é o atual Presidente do PL, mas eu sei e muita gente sabe que eu fui para o front. Eu poderia me esconder na sombra de João e esperar a minha eleição. Mas não. Eu fui buscar isso. Se você perguntar “ah! Roberta. Você queria ser deputada?”. Não tinha esse pensamento. Mas eu também já falei aqui que não pensava em ser mãe. As coisas se desenham. E quando João me provocou sobre ser deputada, eu disse a ele “Tem certeza? Você me conhece. Se eu for, vai ser do meu jeito.”, ele já esperava essa postura. E aí, eu abracei a missão, eu me desafiei, eu me ausentei dos meus filhos e me lancei.

Tive muito o apoio de prefeitos da oposição, o que foi, inclusive, mal interpretado na campanha. Mas eu fui buscar meu resultado e tenho prestado contas disso. Muitas vezes eu ficava dias sem ver João. Ele correndo um trecho com outros candidatos a federal, eu correndo outro trecho, tomando meu sol na cabeça, comendo o que dava, quando dava, dormindo pouco, naquele pique louco. Mas eu estava vivendo um propósito e hoje eu colho os frutos disso, com muito orgulho e com muita honra.

Tenho a sorte de ter João ao meu lado nessa caminhada. Melhor “assessorada” eu não poderia estar, né não? (risos). Fiz muitos amigos, firmei muitas relações bacanas, fui protagonista da minha campanha, então assim, acho que a direita foi importante para a minha eleição, mas não definiu a minha vitória. Até porque eu fui muito malhada nos veículos de imprensa, fui muito colocada à prova, descredibilizada. Tentaram me desestabilizar de todas as formas. Foi uma eleição com muitos candidatos a federal disputando pelo PL e uma eleição onde acharam e só acharam que eu seria alvo para atingirem João. Só esqueceram que eu não sou menina, eu sou mulher com dendê nas veias e com o sangue quente do povo nordestino. Aqui é o olho que tudo vê e a memória que tudo guarda (risos). Eu só não quero guerra com ninguém, mas se precisar eu tô com a roupa de ir.

Roberta Roma em Brasília
Roberta Roma em Brasília. Foto: Reprodução.

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