O 1º Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade, que começa nesta quinta-feira (dia 18) em Salvador, terá sua palestra de abertura proferida pelo professor Terence Trennephol. Especialista em Direito Ambiental, com pós-doutorado na Universidade de Harvard e diversos livros publicados sobre o tema, ele se revela um otimista em relação às questões ambientais. Mesmo reconhecendo a urgência de combater questões como o aquecimento global, o professor Terence acredita que a humanidade vem evoluindo também na preservação do meio ambiente. “É possível compatibilizar o desenvolvimento da sociedade com o uso sustentável dos recursos naturais”, defendeu ele, em entrevista exclusiva ao jornal A TARDE. Professor Terence diz ainda que, no Brasil, há leis e normas eficientes para combater a degradação e argumenta que é muito mais lucrativo preservar do que explorar sem os devidos cuidados ambientais. Conheça outras opiniões do especialista em Direito Ambiental na entrevista que segue.

O senhor vai abrir o 1º Congresso Brasileiro de Direito e Sustentabilidade com uma palestra na qual relaciona esses temas aos 35 anos da Constituição. Olhando em retrospectiva, qual é a importância da nossa Carta Magna abordar as questões do meio ambiente?

Nós fomos uma das primeiras democracias a colocar o tema sustentabilidade na Constituição, o artigo 225. Existem outras constituições, inclusive na Europa, que tratam do meio ambiente, mas a nossa foi pioneira nos países do nosso nível de desenvolvimento, inclusive na América Latina. A importância é que a Constituição Federal tem uma sobreposição em relação às demais leis muito clara. É o ápice do nosso ordenamento jurídico. Com ela, eu não preciso esperar que determinadas medidas sejam aprovadas. Quando olhamos para o histórico dos acidentes que aconteceram antes da nossa Constituição, nós temos o Exxon Valdez, no Alasca; Chernobyl, na antiga União Soviética; tivemos agora mais recentemente a Deepwater Horizon, no Golfo do México; acidentes na Baía de Guanabara com petróleo e gás. Depois dela, as tragédias de Brumadinho e Mariana. Temos, na nossa Constituição, dispositivos que permitem a responsabilização e a reparação em todos esses casos. No Congresso agora, em Salvador, nós vamos ter a presença de vários profissionais que certamente vão enaltecer esse papel da Constituição, porque ela serve como baliza para tudo que se faz no país em termos de legislação e conduta.

Podemos dizer, então, que Brasil hoje é dotado de mecanismos de ordem legal suficientes para combater a gradativa degradação do meio ambiente nesta e nas próximas gerações?

Sem dúvida. Como eu disse, nós temos a Constituição Federal, mas também normas posteriores que são suficientes para combater questões de degradação ambiental. E temos também vários outros momentos da nossa legislação, mesmo antes da Constituição, como o nascimento da Política Nacional de Meio Ambiente, que é a Lei 6938 de 1981. Tem depois a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7347/85), a própria Constituição em 1988, depois a lei de Crimes Ambientais em 1998, o Código Florestal de 2012, que veio substituir o código antigo de 1965. Todos eles são marcos da nossa legislação, que é suficiente para combater a degradação do meio ambiente. Hoje temos normas para qualquer assunto que se fale em direito ambiental. Não é mais algo a ser desbravado.

O senhor já afirmou que o Brasil tem regras mais rígidas até do que em relação a outras legislações do mundo, como os Estados Unidos. Então, pode-se dizer que o maior problema nosso é a falta de elementos para se concretizar a legislação ambiental?

O que acontece é que sempre há, no país, uma diferença grande entre políticas de governo e políticas de Estado. Temos, sim, falta de elementos para concretizar a legislação ambiental. Acho que falta muita vontade política porque, como disse, temos uma legislação satisfatória. Mas muitas vezes, a política de Estado é diferente da política do governo que está no poder, que está à frente das diretrizes. Como as questões políticas são questões que envolvem juízo de discricionariedade, conveniência e oportunidades, cada governo faz um determinado avanço em seus investimentos ou em seu foco de preservação para aplicar a legislação ambiental. Você pode ver o exemplo do governo federal atual com os governos anteriores. Um focava na questão da Amazônia, outro focava no relacionamento internacional, outro no desmatamento, outro nas questões de caça e pesca ilegais. Cada governo tende a fazer sua política. Por isso que, muitas vezes, a gente olha para a legislação e acha que ela não está sendo aplicada. Com os elementos que existem para aplicar a legislação ambiental no Brasil é difícil ter uma forte frente em todos os aspectos. É uma questão até instrumental, é uma questão de insuficiência de pessoal.

Nos últimos anos houve um desmonte dos órgãos de fiscalização e formulação de políticas ambientais, a exemplo do Ibama e do CMBio. Teve também a mudança na governança do Fundo Amazônia. Dá para calcular o tamanho do retrocesso para a agenda ambiental do país?

Não tenho dúvidas de que tivemos um grande retrocesso. Mas precisa ser reconhecido também que existiram alguns movimentos de desburocratização. Isso precisa ser considerado na agenda ambiental do país. Mas o importante é que, entre avanços e retrocessos, nós estamos sempre caminhando, evoluindo. À medida que o tempo passa e os fatos são colocados na mesa, a gente tem notícias boas para a questão ambiental porque a legislação não retrocedeu. O que houve de desmonte, foi de ordem administrativa, de execução, mas a legislação ainda está aí. Basta colocá-la em pé novamente.

Qual é a sua expectativa em relação a esse governo com, mais uma vez, a ministra Marina Silva no comando do meio ambiente?

Logo no primeiro dia de governo, o presidente Lula assinou uma série de medidas, entre elas a alteração do decreto que regulamenta a Lei dos Crimes Ambientais. Entre as medidas assinadas está o fim do núcleo de conciliação ambiental. Essa norma, quando criada em 2019, foi vista por muita gente como uma solução para acabar com a indústria da multa. Você tem outras formas de conciliação, mas essa decisão do atual governo, no entender de muitos especialistas da área ambiental, foi um retrocesso grande. Mas, falando de minha expectativa em relação à gestão de Marina Silva, acredito que haverá, sim, um fortalecimento dos órgãos ambientais e as políticas de preservação serão colocadas na ordem do dia. A melhora ambiental já é sentida nesses primeiros meses. Mas prefiro falar de Estado do quê de governo.

A mudança climática e o aquecimento global já estão provocando problemas variados na agricultura, saúde, e no comportamento das pessoas e das sociedades. Como podemos contribuir para que nossos netos e bisnetos não tenham um futuro tão complicado?

Especialistas afirmam que as mudanças climáticas e questões relacionadas à agricultura e saúde já estão à beira de uma catástrofe ambiental irreversível. Já existem estudos e debates científicos sobre essas questões e, sem dúvida, os investimentos precisam ser feitos agora. No entanto, é possível compatibilizar o desenvolvimento da sociedade com o uso sustentável dos recursos naturais, o que é muito importante. Algumas pessoas pregam que estamos vivendo uma catástrofe climática sem precedentes. Por outro lado, existem estudos e livros publicados por autores como Steven Pinker, da Universidade de Harvard, que afirmam que estamos vivendo um novo iluminismo. Segundo ele, nós passamos por uma fase de trevas e agora estamos vivendo o mesmo iluminismo que tivemos no século 18. Isso é importante ser ressaltado: nós nunca tivemos uma expectativa de vida tão longa, nunca tivemos avanços na saúde e erradicação de doenças e aumento de acesso ao consumo como temos hoje. Nunca tivemos segurança legal como hoje, temos processos, procedimentos, Poder Judiciário, Ministério Público. Nunca na história da humanidade tivemos tantas garantias, tantos direitos. A gente não vive mais como na pré-revolução industrial, como na pré-revolução francesa. E sem dúvida, a gente tem muitas informações que antes não tínhamos. A pandemia da covid-19 é um exemplo disso. Há 100 anos, tivemos a gripe espanhola, mas não falávamos com tanta força e conhecimento sobre essas questões de saúde. Sem dúvida alguma, estamos evoluindo. Não é possível negar que nossa sociedade ainda é bastante catastrófica, mas estamos vivendo um momento favorável para questões ambientais e de sustentabilidade e isso também será discutido no congresso em Salvador.

Seguindo ainda neste tema, a Conferência Mundial do Clima de 2022 (COP 27) prevê a instalação de um fundo para reparação por perdas e danos para os países mais afetados pela crise do clima, mas terminou também com medidas pouco ambiciosas. Por que é tão difícil para líderes mundiais tratar essa questão com a ênfase que merece?

É difícil para os líderes globais se adaptarem às medidas de preservação e reparação de danos ambientais, pois há uma forte influência do aspecto econômico. O Brasil, por exemplo, não pode impor medidas indiscriminadamente, pois isso impactaria diretamente em setores fundamentais para o nosso desenvolvimento econômico, nossa balança comercial. É preciso olhar sempre para o aspecto econômico na preservação ambiental. Por exemplo, se entendermos que o plantio de grãos é prejudicial para o meio ambiente, não podemos proibi-lo indiscriminadamente no Brasil, pois a agricultura e o agronegócio representam um percentual enorme na balança comercial. Há um estudo nos Estados Unidos que é bem curioso quando se fala de agronegócio. Ele diz o seguinte: “Farms here, forests there”. Ou fazendas nos Estados Unidos, florestas no Brasil. Quer dizer, eles são os maiores produtores globais de grãos, e não querem que o Brasil entre nesse mercado com força. Mas o Brasil já entrou e já domina em diversos segmentos. A verdade é que é complicado para os países entrarem nessa questão ambiental, pois as medidas vão impactar nos aspectos econômicos.

Um dos objetivos do Congresso que o senhor vai participar em Salvador é trazer análise da preservação do meio ambiente e da sustentabilidade a partir da ótica empresarial. Por que é tão importante a iniciativa privada se envolver nessas questões?

Porque empresas devem olhar para a sustentabilidade como uma mola, um avanço. Porque todas as medidas que a iniciativa privada adotar, são medidas de longo prazo. Elas não têm um mandato, não vão acabar em quatro anos. Além disso, as empresas precisam ter uma visão de sustentabilidade, pois elas obedecem a padrões globais, obedecem a requisitos do mercado e isso fará com que seus produtos sejam mais valorizados. Como disse antes, elas não atendem só a uma política de governo. Elas atendem a uma política de mercado e de Estado. Há empresas no mundo que têm o PIB maior do que muitos países. Então, se há uma empresa que atende a níveis de sustentabilidade, ela não só vai ter força econômica para estar à frente de um processo de mudança, como também pode se espraiar globalmente.

A própria Bolsa de São Paulo tem o seu índice de empresas que são sustentáveis. As questões ambientais hoje são estratégicas para o progresso de um negócio?

Existe o índice da Bolsa de Valores de São Paulo, o Ibovespa, e outros índices de bolsas de valores em todo o mundo para empresas sustentáveis, a exemplo do Nasdaq e o Dow Jones. Por exemplo, grandes empresas nacionais já estiveram dentro do índice de sustentabilidade Ibovespa e saíram em decorrência de problemas ambientais. Algumas empresas que tiveram problemas ambientais foram retiradas ou colocadas em outra posição dentro do índice. Além disso, existem empresas listadas em bolsas de valores globais que servem de exemplo. Veja o que aconteceu, por exemplo, com a Vale, quando ocorreu a tragédia de Brumadinho. Veja o que ocorreu com a British Petroleum, quando houve o vazamento no Golfo do México. Veja o que ocorreu com empresas globais que perderam valor no mundo inteiro após acidentes ambientais. Portanto, não é apenas sobre as bolsas de valores em São Paulo. É preciso também tomar cuidado com o Green Washing, que é a tentativa de produtos não ambientalmente corretos de parecerem corretos. Hoje em dia, há uma disseminação de processos relacionados à sustentabilidade. Na década de 90 e início dos anos 2000, houve por exemplo uma migração significativa para países asiáticos em busca de mão de obra. Não havia esse cuidado com a sustentabilidade como há hoje. Por isso que eu digo que caminhamos para uma evolução. Hoje, as empresas internacionais, como a Nike, as empresas de tecnologia que foram para a Ásia naquela época, mudaram seus métodos. Hoje em dia, a sustentabilidade é uma pedra angular para o negócio das empresas.

O senhor tem um livro escrito sobre licenciamento ambiental e o define como o maior, mais utilizado e mais polêmico instrumento da política nacional do meio ambiente. Por que tanta celeuma envolvendo esse instrumento?

A Política Nacional de Meio Ambiente começou em 1981 e previa uma série de instrumentos. E o licenciamento ambiental é o instrumento sem dúvida mais importante. O licenciamento ambiental vai aferir, ao longo de um processo administrativo, quais são os impactos, as medidas que eu tenho que adotar, que se chama de medidas condicionantes do licenciamento ou da atividade. Essas condicionantes são aquelas condições que vão fazer com que o seu empreendimento ou a sua atividade possa acontecer. Você tem que obedecê-las para desenvolver sua atividade, sem evidentemente dar o direito a poluir. O direito a poluir não existe. Eu tenho direito de exercer a minha atividade e compensar de alguma forma. É no licenciamento ambiental que vou ter o gatilho para dizer se a atividade pode ou não ser realizada. Por isso, a importância do Direito Ambiental é enorme. Ele é comparado ao Direito Tributário na década de 1990. Se você tivesse uma ação judicial decorrente do não pagamento de um tributo, a sua empresa poderia parar. Hoje em dia, se você tiver um problema ambiental, não é só a multa, não é só a sanção administrativa ou o embargo, você tem que reparar o dano. E a reparação do dano pode ser enorme, pode ser muito maior do que a própria empresa. Então essa é a razão do licenciamento ambiental ser encarado com essa celeuma toda.

Um estudo do Banco Mundial divulgado esses dias mostra que o valor de manter a Floresta Amazônica em pé é cerca de sete vezes superior ao lucro que pode ser obtido com a exploração sem cuidados. Associar esses aspectos econômicos à preservação do meio ambiente é o caminho para a preservação e sustentabilidade?

Não tenho a menor dúvida. A evolução dos conceitos e informações científicas, bem como da própria sociedade, tornaram evidente que a exploração desmedida dos recursos naturais não é mais a melhor solução para gerar lucros. Hoje temos elementos científicos para mostrar que a preservação pode ser muito superior à exploração sem cuidados. Os conceitos científicos estão nos dando elementos para que eu possa trabalhar a sustentabilidade como algo lucrativo para o empreendedor, para a iniciativa privada. A sustentabilidade deixou de ser moda e a preservação não é mais um elemento facultativo, opcional da empresa. É uma questão necessária, premente, obrigatória. Por quê? Além de preservar com base no que a legislação prevê, eu também tenho que olhar para a questão de aferir ou não rendimentos, dividendos com essa exploração. Então, se cuidar, preservar é consequência dessa evolução de conceitos, sem dúvida alguma estamos caminhando não para uma catástrofe ambiental, mas caminhando cada vez mais para ter condições de preservar a Amazônia, por exemplo. Certa vez perguntaram ao escritor uruguaio, Eduardo Galeano, para que serve a utopia. Ele respondeu que, a cada dois passos que dava, o horizonte ficava a dois passos mais distantes; a cada dez passos, o horizonte ficava dez passos mais distantes. E concluiu: a utopia serve para fazer caminhar. Então, é isso, a gente tem que sempre ir em busca do melhor, do que a ciência nos fornece.